Justiça Eleitoral rejeita denúncias da Lava Jato

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Foto: Roberto Jayme

Apenas um dos cerca de 70 inquéritos da Operação Lava-Jato que envolvem políticos e foram enviados à Justiça Eleitoral resultou em condenação pela primeira instância. Pelo menos 37 políticos são investigados em nove estados e no Distrito Federal fora da esfera da Justiça comum. Entre os que respondem a acusações no âmbito eleitoral estão nomes como o do ex-presidente Michel Temer (MDB-SP), do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), do deputado Aécio Neves (PSDB-MG) e dos ex-prefeitos Eduardo Paes (DEM), do Rio, e Fernando Haddad (PT), de São Paulo.

Esse conjunto de investigações da Lava-Jato foi afetado por uma mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), em março do ano passado. Na ocasião, a Corte decidiu mudar o foro de casos que envolvem caixa dois. Desde então, trechos de delações premiadas e investigações iniciadas na Lava-Jato no âmbito da Justiça Federal têm sido remetidos ao Ministério Público Eleitoral.

Procuradores ouvidos pelo GLOBO apontam que a Justiça Eleitoral é considerada menos preparada para atuar em casos de corrupção e lavagem de dinheiro. Eles afirmam, por exemplo, que os magistrados têm mandato temporário de dois anos, pelo qual são gratificados, e não costumam ter dedicação exclusiva aos casos que migraram da Lava-Jato.

A maioria dos inquéritos que foram parar na Justiça Eleitoral correm sob sigilo. Por isso, não é possível saber em que fase está a apuração. Em alguns casos, até o nome do investigado está protegido por sigilo. O teor de parte desses processos, no entanto, é conhecido porque eles são frutos de delações premiadas de empreiteiras como Odebrecht e UTC, que foram tornados públicos.

O maior número de inquéritos relacionados à Lava-Jato no âmbito eleitoral está em São Paulo. São 29, dos quais 25 estão em segredo de justiça, segundo o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP). De acordo com o tribunal, três procedimentos já foram arquivados ainda na fase de inquérito.

Houve uma única condenação até agora, a de Fernando Haddad. Em agosto de 2019, o petista foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão em regime semiaberto por crime de caixa 2 na eleição para a prefeitura da capital paulista. O caso foi aberto em virtude da delação de ex-dirigentes da UTC no âmbito da Lava Jato.

As acusações dos delatores, no entanto, não resultaram em condenação do petista. Contudo, ao longo das apurações, a Justiça Eleitoral apontou a existência de notas fiscais frias na prestação de contas da campanha, e este foi o fato responsável pela condenação. Haddad, que sempre negou as acusações, recorre da decisão no TRE-SP.

A lista de políticos alvo da Justiça Eleitoral inclui o ex-governador Geraldo Alckmin e o ex-presidente Michel Temer. O caso de Alckmin chegou a gerar uma disputa interna no Ministério Público e o comando do órgão foi acusado por membros do MP de tentar blindar o tucano. No último dia 19, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) negou o pedido de dois promotores para anular a nomeação de Fábio Bechara para atuar como promotor nos crimes atribuídos a políticos no tribunal eleitoral. Bechara ocupou cargos na gestão Alckmin entre 2013 e 2014.

Quanto ao caso de Temer, ele responde a dez inquéritos na Lava-Jato, sendo um deles na Justiça Eleitoral de SP. Trata-se da apuração sobre um suposto pagamento de R$ 10 milhões de caixa dois da Odebrecht para campanhas do MDB na corrida eleitoral de 2014. De acordo com os delatores, o repasse teria sido acertado, em maio daquele ano, num jantar no Palácio do Jaburu, em Brasília. Temer não nega a existência do jantar. O ex-presidente diz que pediu “auxílio formal” e “oficial” à Odebrecht para as campanhas do partido em 2014 e nega ter autorizado ou solicitado doações irregulares.

No Rio, há 14 inquéritos na Justiça Eleitoral — todos em sigilo. Entre os alvos estão o ex-governador Sérgio Cabral (MDB), o ex-prefeito Eduardo Paes e o deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ). Os dois últimos foram apontados em delação da Odebrecht como beneficiários de caixa dois, o que eles negam.

Em Minas, o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) responde a pelo menos dois inquéritos no TRE. Num deles, Aécio é investigado junto com o deputado Dimas Fabiano (PP-MG), o senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) e o ex-deputado federal Pimenta da Veiga. A investigação apura suposto pagamento de R$ 6 milhões da empreiteira por solicitação de Aécio na campanha eleitoral de 2014. O caso foi enviado ao TRE-MG por decisão do ministro Ricardo Lewandowski, em 18 de outubro de 2019. Aécio sempre alegou que pediu apoio oficial da empreiteira.

No Paraná e no Rio Grande do Sul, há casos em que acusações de caixa dois foram arquivadas na Justiça Eleitoral, mas crimes de lavagem e corrupção foram mantidos na esfera criminal. É o caso do ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB), investigado por suspeita de corrupção na concessão de rodovias durante seu governo. As denúncias contra o tucano foram arquivadas na Justiça Eleitoral, a pedido do Ministério Público. Já a parte de lavagem de dinheiro segue em andamento na esfera criminal.

Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, também enfrenta apurações nas duas esferas. Na eleitoral, por recebimento de caixa dois em campanhas políticas do PT. No criminal, é investigado por supostos pagamentos de propina de empresas farmacêuticas com contratos com o Ministério da Saúde. Delúbio nega as acusações.

Em março do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que processos da Lava-Jato sobre crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando investigados junto com a prática de caixa dois, devem ser enviados para a Justiça Eleitoral. A decisão apertada, por seis votos a cinco, foi considerada pela Lava-Jato uma derrota.

A maioria no STF afirmou que, por lei, crimes eleitorais só podem ser julgados pelo ramo especializado do Judiciário, mesmo quando a prática tiver ligação com outros delitos. Por exemplo: um agente público que recebe propina e usa o dinheiro em campanha, sem declarar os valores, pode ser enquadrado em caixa dois, mas também em corrupção. O caso, portanto, deve ser conduzido pela Justiça Eleitoral.

O envio de casos à Justiça Eleitoral, no entanto, não é automática: a análise ocorre caso a caso, para saber qual o foro adequado do processo específico.

A partir do entendimento do STF, advogados passaram a pedir a nulidade de decisões tomadas em processos que estão na Justiça Federal, alegando que houve caixa dois.

Procuradores da força-tarefa de Curitiba preferiam que esses casos ficassem na Justiça Federal, por ser um ramo do Judiciário com mais estrutura para conduzir investigações complexas. Para eles, a medida pode levar a maior demora e risco de prescrições, além de possíveis anulações de decisões já tomadas nos processos que correm na Justiça Federal.

O Globo