MPF afirma que decreto de Bolsonaro sobre o Conama é inconstitucional

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Foto: Gabriela Biló/Estadão

A Procuradoria federal pediu a inconstitucionalidade do Decreto 9.806/2019, que alterou a composição e o funcionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Conama.

Para o Ministério Público Federal, a norma publicada em maio que reduziu o número de vagas destinadas à sociedade civil fere princípios da participação popular direta da sociedade, da igualdade e da vedação do retrocesso socioambiental.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 623 vem de uma representação feita à Procuradoria-Geral da República pelos procuradores regionais da 3.ª Região, José Leonidas Bellem de Lima e Fátima Borghi, em conjunto com entidades ambientalistas.

Os procuradores regionais afirmaram que ‘em nenhuma reforma anterior o Conama sofreu retrocessos tão acentuados em termos de pluralidade e amplitude da participação popular e do controle social’.

Para os procuradores, a norma poderá deixar ‘desprotegidos os direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde e à vida’.

A ação está sob relatoria da ministra Rosa Weber.

O decreto determinou que a escolha das entidades ambientalistas para compor o Conama seja realizada por sorteio.

O Ministério Público Federal argumenta que isso atenta contra o direito de participação direta da sociedade na formulação das políticas públicas ambientais, ‘retirando das ONGs seu poder de auto-organização e impedindo que elas escolham por critérios objetivos os representantes mais aptos para atuar no conselho’.

Entidades sem condições estruturais para representar o bloco podem ser selecionadas, afirmam os procuradores.

Outro ponto condenado pela Procuradoria foi a redução do mandato de cada ONG para um ano em vez de dois, e sem possibilidade de recondução. “Um frenético giro na troca das cadeiras não propiciará em nada o aprimoramento dos trabalhos no Conama. Ao contrário, impedirá um mais adequado aprofundamento no conhecimento da matéria.”

Para o Ministério Público Federal, a reforma do Conama ocorre em um contexto de ‘eliminação na máxima extensão possível das instâncias de participação da sociedade civil’ na formação de ações do Poder Público e de um ‘desmonte de todo o aparato organizacional do Estado brasileiro para proteção e preservação ambiental’.

Os procuradores regionais acusam o Conama de sempre ter mantido maior quantidade de assentos para órgãos e entidades ‘que ali estão para defender interesses próprios’ que ‘tendem a se unir e a se antagonizar aos propósitos de proteção do meio ambiente’.

Isso, continuam, torna as ONGs ‘incapazes de fazer prevalecer sua posição, limitando até mesmo seu poder de influenciar nos procedimentos e no resultado das decisões colegiadas’.

De acordo com a Procuradoria, a disparidade na composição do Conama pode refletir na qualidade protetiva das normas que edita. “Exemplo disso é a Resolução 491, publicada pelo colegiado em novembro de 2018, e que estabeleceu novos padrões nacionais de qualidade do ar sem prazos de progressão e com valores iniciais muito mais permissivos que aqueles recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).”

Essa norma também é questionada no Supremo, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6.148), proposta pela Procuradoria-Geral da República, e baseada em representação dos mesmos procuradores regionais, em conjunto com entidades ambientalistas. Naquela ocasião, já haviam apontado para o déficit democrático existente no Conama, com composição ainda anterior à da reforma.

Os autores da representação sustentam, por fim, que a não correção dessas disparidades (existentes também em colegiados participativos estaduais e locais) continuará dando ensejo a desastres ambientais e humanos como os de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.

“Afirmam que a supressão da sociedade civil e a prevalência de interesses estranhos, e até mesmo avessos, à proteção ambiental tende a resultar na desconsideração de preceitos básicos do direito ambiental, como os princípios da prevenção e da precaução, que devem reger toda e qualquer decisão nessa área.”

O Conselho Nacional do Meio Ambiente é um órgão federal instituído em 1981 para atuar na elaboração de políticas públicas de preservação ambiental e dos recursos naturais. Ele tem função consultiva e deliberativa.

Desde sua criação, o colegiado já editou quase cinco centenas de resoluções, normas que, em nível infralegal, regulamentam uma ampla gama de questões afetas ao meio ambiente.

Até a publicação do decreto, o Conama era composto por pouco mais de cem conselheiros, distribuídos em cinco segmentos de representação: governos municipais, governos estaduais, governo federal, entidades empresariais e entidades da sociedade civil.

Nesta última, estavam incluídos representantes de organizações de trabalhadores, das comunidades indígena e científica, entre outros.Com as mudanças, o número de conselheiros com direito a voto foi reduzido a 23.

O decreto, assinado conjuntamente pelo presidente da República e pelo ministro do Meio Ambiente, cortou de 11 para quatro o número de assentos reservados às organizações ambientalistas.

Por outro lado, foi ampliada a presença do bloco governamental, que passou a ter 17 assentos e 74% dos votos no Conselho.

Além disso, foi excluída a representação de órgãos federais como a Agência Nacional de Águas (ANA), o Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio) e o Ministério da Saúde.

Ao mesmo tempo, deu-se assento cativo no Conama ao Ministério de Minas e Energia e ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Estadão