Plano de Guedes de vouchers para Educação é criticado

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Wilson Dias/Agencia Brasil

O ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou ontem uma das apostas do governo para a educação: o uso de “vouchers”, política em que as famílias recebem dinheiro para decidir, entre opções do setor privado, onde matricular seus filhos. Porém, a experiência internacional mostra resultados controversos desse tipo de iniciativa, defendida por Guedes para reduzir as desigualdades de oportunidade na primeira infância.

“Precisamos investir na educação e, quanto mais cedo, melhor”, disse Guedes, em Davos, após citar Japão e Coreia do Sul como exemplos de países que prosperaram a partir de grandes investimentos em educação e tecnologia. “Então, vamos apoiar um gigantesco [programa de] ‘vouchers’ para educação nos primeiros estágios”, afirmou.

Embora não tenha citado o termo “creche”, Guedes confirmou o andamento de uma ideia que é estudada desde a campanha presidencial. O programa tem sido costurado entre a Economia e a Casa Civil, reforçando um cenário de baixo protagonismo do Ministério da Educação (MEC) na definição das principais políticas educacionais.

Nas discussões para formular as propostas de campanha de Jair Bolsonaro para educação, foi apresentado um estudo de Paulo Uebel, hoje secretário de Desburocratização, sobre os impactos que a medida teria na cidade de São Paulo. Uebel trabalhou no governo de João Doria na capital paulista e projetou que os “vouchers” para creches cortariam à metade os custos no município.

No governo federal, os “vouchers” para creche voltaram à mesa no segundo semestre do ano passado após a decisão de que R$ 1,6 bilhão recuperado pela Operação Lava-Jato seria destinado para a educação.

De acordo com uma fonte, porém, o uso desses recursos para a educação infantil perdeu apelo e outras opções estão sendo estudadas. Primeiro, porque o Ministério da Economia é contra usar um dinheiro finito para financiar gastos recorrentes. Há também entraves burocráticos que dificultam o uso dessa verba para viabilizar os “vouchers”.

O debate sobre o “cheque” para creches foi tema de reunião entre a Casa Civil e técnicos do MEC, incluindo representantes da área jurídica, na semana passada, conforme a agenda pública do ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Recentemente, Weintraub informou em sua conta no Twitter que o governo anunciará “um grande investimento em creche”. A proposta de criar “vouchers” para educação tem como formulador Milton Friedman, um dos pais do liberalismo e frequentemente citado por Weintraub durante seus discursos.

A tentativa de reforçar a atenção à primeira infância, fase considerada essencial para a formação intelectual das crianças, é defendida por especialistas em educação. Mas a alternativa dos “vouchers” está longe de obter consenso entre especialistas.

“A literatura internacional sobre ‘vouchers’ é ambígua”, afirma Daniel dos Santos, coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (Lepes), da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA/USP).

Segundo Santos, a opção pelos “vouchers” traz um obstáculo imediato que é o critério para se estabelecer padrões de qualidade na educação infantil. “A principal missão da creche é desenvolver a criança, mas historicamente há um equívoco de que creche serve apenas para que os pais da criança possam trabalhar.”

De acordo com ele, na visão da família uma instituição que funcione em todos os turnos pode ser vista como de boa qualidade, mas não necessariamente vai entregar o que se espera para essa etapa do desenvolvimento infantil.

Para especialistas, outro ponto de atenção é como será o controle de qualidade do ensino que será dado às crianças. Pela experiência internacional, a aprendizagem dos alunos costuma ter resultados insatisfatórios quando recursos públicos são utilizados para financiar a educação privada. Além disso, há casos de desvio de recursos ou irregularidades na entrega dos serviços educacionais prometidos.

Uma fonte pondera que, durante as discussões na campanha presidencial, o entendimento era de que os “vouchers” seriam benéficos em grandes centros urbanos, já atendidos por uma rede privada de creche e, em tese, de maior qualidade do que em regiões mais remotas.

“Não há nenhum caso de sucesso de ‘voucher’ para creche no mundo. Isso ocorre porque as condições para garantir a qualidade desse atendimento são muitas e de alta complexidade. Os ‘vouchers’ prejudicam a qualidade a serviço da expansão quantitativa”, diz Priscila Cruz, cofundadora e presidente-executiva do Todos Pela Educação.

Em sua avaliação, dada a importância dessa fase para o desenvolvimento cognitivo, emocional e físico, essa estratégia de oferta é inadequada. “O melhor seria um portfólio de políticas para a primeira infância, articulando educação, saúde e assistência, incluindo o programa já existente de visitação Criança Feliz”, afirma Priscila.

Citando o exemplo do Chile, que adotou “vouchers” nos anos 1990 para educação básica, Santos diz que um dos riscos é que as instituições vistas como de maior qualidade adotem processos de seleção devido à alta demanda.

Mesmo que o modelo de “vestibulinho” não seja aplicado às creches necessariamente, o uso de “vouchers” tende, de modo geral, a elevar as desigualdades. “No Chile, os ‘vouchers’ geraram benefício enorme para algumas poucas escolas, mas o efeito médio foi nulo e houve piora nas camadas mais vulneráveis”, diz.

No ano passado, o MEC afirmou que planeja incluir 1,7 milhão de crianças em creches até 2020. Durante o anúncio, a pasta informou que pretendia ampliar o atendimento por uma reestruturação do Proinfância, programa de assistência financeira aos municípios e Distrito Federal para construção, reforma e aquisição de equipamentos e mobiliário em creches e pré-escolas.

O secretário de Educação Básica do MEC, Janio Macedo, disse recentemente que o Proinfância é uma das prioridades neste ano, segundo texto divulgado pela pasta. Além dos vouchers, esse objetivo poderia ser atingido por meio de parcerias com o setor privado para construir, reformar e gerir creches, intenção formalizada em decreto publicado pelo MEC em novembro do ano passado.

Valor