A Lava Jato deixou no chinelo os privatistas mais fanáticos
Leia a coluna de Reinaldo Azevedo, jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.
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A Lava Jato privatiza o Estado; eis a verdadeira burguesia do capital alheio
A Lava Jato deixou no chinelo os privatistas mais fanáticos, o que me inclui. Deltan Dallagnol e seus d’Artagnans decidiram privatizar uma fatia do próprio Estado. Esses mosqueteiros atuam a serviço da corporação a que pertencem, não do reino. A força-tarefa celebrou, no dia 23 de janeiro, um acordo bilionário com a Petrobras, sob a supervisão de autoridades dos EUA.
Mesmo homologado pela Justiça Federal de Curitiba, o troço se declara acima do Poder Judiciário e de órgãos de regulação e fiscalização brasileiros. A imprensa ainda não deu ao caso a devida dimensão. A esquerda já bateu pesado. Não sou de esquerda, e o rolo não é de direita. Trata-se de uma aberração que nem errada consegue ser.
O item 4 das “Considerações” do arranjo informa: “A Petrobras respondia a procedimentos administrativos nos EUA e (…) optou por celebrar acordo com a Securities and Exchange Commission (SEC) e com o Departamento de Justiça norte-americano (DoJ) (…). Por Iniciativa do Ministério Público Federal e da Petrobras, as Autoridades Norte-Americanas consentiram com que até 80% do valor previsto nos acordos com as autoridades dos EUA sejam satisfeitos com base no que for pago no Brasil pela Petrobras, conforme acordado com o MPF”.
A grana é alta. A Petrobras teria de pagar multa de US$ 853,2 milhões aos americanos. Do total, US$ 682,56 milhões ficarão no Brasil. Vamos nos levantar e cantar o Hino da Independência: “Os grilhões que nos forjava da perfídia astuto ardil”! Seja lá o que isso queira dizer com seu erro insanável de sintaxe.
Do total já depositado numa conta vinculada à 13ª Vara Federal de Curitiba (R$ 2,5 bilhões), metade fica reservada para “a satisfação de eventuais condenações ou acordos” em “ação de reparação” (Item 2.3.2 da Cláusula Segunda). Parece justo. E a outra metade? Aí vem o pulo dos gatos… Uma bolada de R$ 1,25 bilhão, segundo o item 2.4, “deverá constituir um ‘endowment’ (um fundo patrimonial)”. E sua administração “será feita por entidade a ser constituída (…) na forma de uma fundação de direito privado mantenedora” (Item 2.4.1).
O dinheiro, que deveria ser recolhido ao Tesouro, vai engordar uma fundação de direito privado que estará sob o comando do MPF. Mas não de qualquer um. O Item 2.4.4 especifica: “O MPF no Paraná e o MP do Paraná terão a prerrogativa (…) de ocupar um assento cada no órgão de deliberação superior da fundação mantenedora (…)”. Ah, sim: a sede tem de ficar em Curitiba (item 2.4.2).
E o mais fabuloso: Dallagnol e os mosqueteiros resolveram que o único árbitro da decisão são as “Autoridades Norte-Americanas”, expressão aqui reproduzida com as maiúsculas do original, sabe-se lá por quê. O item 8 das “Considerações” deixa claro: “Conforme previsto no acordo com a SEC e DoJ, na ausência de acordo com o MPF, 100% do acordado com as Autoridades Norte-Americanas será (sic) revertido integralmente para o Tesouro norte-americano”. A concordância foi assassinada, mas o sentido é claro: se a grana não fica com a República de Curitiba, fica com os americanos.
Notem que, nos EUA, é o Tesouro que recolhe os 20% restantes da multa; em Banânia, virou assunto privado do MPF. Assim, procuradores de primeira instância tornam-se juízes máximos da destinação de recursos públicos, obedecendo a acordo feito com as “Autoridades Norte-Americanas”. Três observações:
1) a Petrobras, segundo os procuradores, foi vítima de corruptos –tanto é assim que é assistente de acusação; empresa de economia mista que é, os lesados são os acionistas (o erário e os investidores privados), não o MPF; 2) até agosto do ano passado, a Java Jato havia devolvido pouco mais de R$ 2,5 bilhões aos cofres da companhia; o correspondente à metade disso ficará com a tal “fundação de direito privado”; 3) inexiste uma instituição no Estado brasileiro chamada “MPF do Paraná ou no Paraná”; existe o Ministério Público.
O MPF está destinado a ser o maior burguês do capital alheio da história. “Burguesia do capital alheio” foi o apelido que pespeguei no PT em seus tempos de glória. Casso o título dos petistas por amadorismo. O profissional é Dallagnol.
Da FSP