Autor, especialista em Columbine, afirma que não há relação entre massacres e jogos de video game
Não há correlação entre o uso de videogames violentos e crimes como a chacina ocorrida em Suzano nesta quarta-feira (13), defende em entrevista à Folha o autor americano Dave Cullen.
O jornalista, que escreveu o livro que é considerada a maior referência sobre o massacre de Columbine, em 1999, nos EUA, afirmou que nunca foi achada prova que conectasse as ações dos assassinos aos jogos que eles praticavam online.
“Isso é um bode expiatório, uma resposta fácil”, afirma. Ele lançou em fevereiro um livro sobre outro massacre escolar —de Parkland, na Flórida em 2018—, em que defende ser preciso que os jornais deixem de focar no autor do crime.
“Não achamos que estamos tornando ele herói: não falamos nada de heroico sobre ele! Mas o fato é que assim o transformamos em estrela.” Para Cullen, a cobertura do caso de 20 de abril de 1999 criou, segundo ele, um mito de que Eric Harris e Dylan Klebold seriam vítimas de bullying.
“E essa narrativa continua viva porque é muito atraente para os jovens que de fato são deslocados”, diz ele.
Apesar de completar 20 anos em 2019, Columbine ainda é o massacre mais emblemático. Por quê?
Foi o primeiro horroroso, em termos de magnitude. Em Columbine, eles tinham bombas, estavam tentando matar centenas de pessoas. Para alguém buscando atenção, notoriedade, é muito mais atraente algo massivo como este ataque. Isso combinado com a mitologia que os coloca como “Robin Hoods sociais”, tirando dos “mais privilegiados socialmente” em nome dos desajustados, explica essa referência. Essa narrativa continua viva porque é muito atraente para aqueles que são de fato vítimas de bullying, que são realmente enjeitados.
O massacre no Brasil tem vários elementos que lembram a chacina de Columbine. O sr. acredita que pode ser uma tentativa de cópia?
Isso é comum em ataques do gênero? Infelizmente é muito comum. Eu estudei vários casos e a maior parte dos atiradores estava lendo sobre Columbine, usando-os como modelo. Existe na internet uma discussão desses jovens que se chamam de “Comunidade do Sobretudo” [em referência à roupa usada pelos atiradores no massacre], e têm os dois como referência máxima.
A ironia é que esse movimento de cópia se baseia numa ideia falsa, um mito. Eles todos têm essa ideia de que Eric e Dylan fizeram aquilo porque sofriam bullying, por todos os adolescentes deslocados. E isso é mentira.
O uso de videogames violentos pode estar associado a esses crimes?
Não há nenhuma prova disso [em Columbine]. Em 20 anos, não se conseguiu nenhuma evidência. A maior parte dos adolescentes está jogando esses jogos. Não conseguimos achar nenhuma correlação entre isso e um assassinato em massa. É uma resposta fácil, um bode expiatório.
O sr. sustenta em seu livro que Eric Harris era um psicopata. Mas e os atiradores que o emulam?
Eles nem sabem que o Eric era um psicopata. Esses assassinos são heróis para eles. Eles não são psicopatas, e o aspecto que eles querem emular é o mito de que ele estava ajudando os desajustados.
Esse é um dos problemas de a imprensa entender tudo errado, porque uma vez que nós criamos a história, não é culpa deles se acreditam. É culpa deles cometer esses atos, mas a criação do mito fica na nossa conta.
O sr. é muito crítico da cobertura da imprensa em Columbine. Como vê o papel da mídia em situações como esta?
Em Columbine nós cometemos erros que não fazemos mais hoje em dia, pelo menos nos EUA. Naquele caso, nós tentamos achar um motivo muito rápido, quando não sabíamos nada sobre aqueles assassinos. Eu acho que nós aprendemos com nossos erros, mas ainda damos atenção demais para esses assassinos.
Depois de um caso desses, a cobertura é massiva durante uns cinco dias, e focada no assassino. Isso o torna um herói. Nós não achamos que estamos fazendo isso: não falamos nada de heroico sobre ele! Mas o fato é que assim o transformamos numa estrela.
Depois do massacre de Parkland, Donald Trump disse que a solução seria armar professores. No Brasil, a discussão foi levantada. O sr. acha isso plausível?
Essa é a ideia mais insana que já ouvi. É muito bem documentado que todas as vezes que você adiciona uma arma a uma situação, aumenta as próprias chances de morrer. No meu livro sobre Parkland, cito casos de professores armados em que a arma disparou acidentalmente. E, numa situação de tiros, há informação desencontrada, caos.
Em Columbine, alunos achavam que havia tiros vindo do teto, porque viram um homem na laje, que era um técnico de ar condicionado. Imagina se um professor atirasse nele?
Da FSP