Banalização das prisões desafia STF e ofende o sentimento comum de justiça
Está assentado que em nosso sistema processual que o status libertatis(estado de liberdade) é a regra e a prisão de natureza cautelar (provisória) a exceção. Nunca é demais lembrar que a Constituição da República (CR) abriga o princípio da presunção de inocência segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII da CR).
A prisão seja em flagrante, preventiva, temporária ou qualquer outra espécie de prisão provisória – que não decorre de sentença condenatória transitada em julgado – só deve ser mantida ou decretada em casos excepcionais, extremados e absolutamente necessários, quando presentes os requisitos mínimos e indispensáveis para sua manutenção ou decretação. Assim a conservação da liberdade deve prevalecer até a condenação definitiva, transitada em julgado.
Sobre a excepcionalidade da prisão cautelar o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que: “A prisão cautelar, que tem função exclusivamente instrumental, não pode converter-se em forma antecipada de punição penal. A privação cautelar da liberdade constitui providência qualificada pela nota da excepcionalidade somente se justifica em hipóteses restritas, não podendo efetivar-se, legitimamente, quando ausente qualquer dos fundamentos à sua decretação pelo Poder Judiciário” (STF – 2ª T. HC 80.379-2 – Rel. Celso de Mello).
Em seu estimulante e imprescindível Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos, Alexandre Morais da Rosa a partir da teoria dos jogos assevera que “as medidas cautelares podem se configurar como mecanismos de pressão cooperativa e/ou tática de aniquilamento (simbólico e real, dadas as condições em que são executadas). A mais violenta é a prisão cautelar. A prisão do indiciado/acusado é modalidade de guerra como ‘tática de aniquilação’, uma vez que os movimentos da defesa vinculados à soltura”.
Em face do princípio constitucional da presunção de inocência, a prisão preventiva como qualquer outra medida cautelar pessoal não pode e não deve ter um caráter de satisfatividade, ou seja, não pode se transformar em antecipação da tutela penal ou execução provisória (antecipada) da pena.
Necessário salientar que desde meados de 2011 vigora no ordenamento jurídico processual penal a Lei nº 12.403/11, que trata da prisão preventiva e de outras cautelares penais. Com a vigência da referida lei o setuagenário Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941) passou a admitir o uso de outras medidas – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, proibição de manter contato com pessoa determinada, prisão domiciliar, suspensão do exercício da função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, monitoração eletrônica, etc – bem menos traumáticas e agressivas que a prisão preventiva.
Neste diapasão, as prisões cautelares (temporárias e preventivas), bem como as prisões decretadas em razão da condenação em segunda instância (antes do trânsito em julgado) como antecipação da tutela penal ou para satisfação dos anseios daqueles que criaram um poder paralelo – próprio de Estado de exceção – batizado de “lava jato”, devem ser rechaçadas em nome da Constituição da República e do Estado de Direito.
A famigerada operação “lava jato”, ao longo dos seus cinco anos, demonstrou desprezo pelo devido processo legal e aversão aos princípios e garantias constitucionais. Em nome de um fantasmagórico combate a corrupção, alicerçada na perversa lógica de que “os fins justificam os meios’, parte do Ministério Público Federal e da magistratura utilizam das redes sociais para pressionar o STF.
Enganam-se aqueles que acreditam que o Supremo se acovardará diante dos inescrupulosos ataques. Os que criticam o excesso de concessão de habeas corpus deveriam meditar sobre as prisões arbitrárias e midiáticas.
Segundo Christiano Falk Fragoso “a abundância de habeas corpus concedidos para profligar violações a direitos do cidadão imputado é exemplo eloquente de que, no processo penal, é comum o exercício de poderes autoritários. O juiz que prende alguém durante o processo apenas em virtude da gravidade da acusação, o delegado que, contra a lei, omite fixar fiança ao preso em flagrante, e o promotor que oferece denúncia sem justa causa exercem abusivamente a autoridade que a lei lhes outorga (…)”.
Por fim, não é demais martelar que no Estado Democrático de Direito fundado, realmente, em bases democráticas – democracia material – deve prevalecer o princípio da liberdade e do respeito à dignidade da pessoa humana, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa. Repita-se, o status libertatis é a regra. A presunção é de inocência. E que todos possam ser julgados sem que sejam desprezados o devido processo legal e o respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Do ConJur