Cidades dependentes das mineradoras temem perda de arrecadação e corte de empregos
As restrições à operação de barragens de minério após a tragédia de Brumadinho (MG) começam a ter impactos em economias locais. Cidades dependentes das mineradoras já temem fechamento definitivo de minas, perda de arrecadação e corte de empregos.
Considerado o maior desastre ambiental brasileiro, o rompimento da mina da Vale completa dois meses nesta segunda-feira (25). Equipes de resgate somam 212 mortos e continuam em busca de 93 desaparecidos.
Após a tragédia, autoridades reforçaram a fiscalização de barragens e determinaram a suspensão de operações em diversas minas no estado.
A Vale parou minas com capacidade para produzir 82,2 milhões de toneladas por ano. O volume equivale a 20% da produção da mineradora e é todo concentrado em Minas Gerais.
A Itaminas também teve de suspender suas operações em Sarzedo (MG), a 34 quilômetros de Belo Horizonte.
Os impactos da crise atingem desde economias locais à balança comercial do país, que tem no ferro um dos principais produtos de exportação. Nas três primeiras semanas de março, o volume exportado caiu 10,5% em relação à média diária de fevereiro.
“Se não voltar isso aqui, eu vou embora. Vou para os Estados Unidos, sei lá, vou catar alguma coisa para fazer. Tenho dois filhos e preciso garantir o sustento deles”, diz o motorista Adriano de Oliveira, 36, morador de Sarzedo (MG).
Ele trabalhava havia três anos para uma terceirizada transportando a produção da Itaminas e recebeu aviso de demissão há cerca de um mês.
Oliveira diz temer que o lugar vire uma cidade fantasma sem as operações.
“O município cresceu em torno da mineração, quase 60 anos em torno dela”, diz o prefeito de Sarzedo, Marcelo Pinheiro (PR). “Difícil ver uma família da região que não tenha vínculo com mineração.”
A paralisação das atividades da Itaminas foi definida pela Justiça até que a empresa ateste a segurança de barragens.
No caso da Vale, houve também cortes voluntários de produção para desativar barragens semelhantes à de Brumadinho.
A situação afeta fornecedores e clientes das mineradoras, porque têm levado a empresa a tentar priorizar o exterior.
Duas siderúrgicas no Espírito Santo, a CBF e a Santa Bárbara, tiveram problemas para receber o produto.
A primeira chegou a ter a produção interrompida em fevereiro por causa da suspensão no abastecimento.
A segunda diz que a Vale vem entregando produto de qualidade diferente do usual, o que gera aumento de custos.
Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do Espírito Santo, 45% dos trabalhadores da CBF chegaram a receber aviso prévio, mas as entregas foram restabelecidas após ameaças de fechar a ferrovia que leva o minério ao porto de Vitória.
“A empresa tem 33 anos de operação e o único fornecedor que teve foi a Vale, que tem o monopólio do transporte de minério”, diz o sindicalista Roberto Pereira. “Se não tem para o Brasil, também não vai ter para gringo”, afirma.
A preocupação com a suspensão das operações colocou em lados opostos a Amig (Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais) e a Vale, principal fonte de receita para as prefeituras dependentes do setor.
“Não sabemos se daqui a 60 dias vamos ter nem sequer a Cfem [contribuição financeira pela exploração de recursos minerais, espécie de royalties]”, diz o consultor da associação Waldir Salvador.
Das 20 cidades brasileiras com orçamento mais dependente dos royalties da mineração, 13 ficam em Minas Gerais.
Sarzedo já sente o buraco no caixa. “Nós já não recebemos os royalties [de dezembro da Itaminas], e isso vai impactar muito a prefeitura”, afirma Pinheiro.
Pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) calculam que o corte de 40 milhões de toneladas de minério pode reduzir no curto prazo em 0,47% o PIB (Produto Interno Bruto) do estado e em R$ 575 milhões a arrecadação.
O estudo considera apenas o corte de produção voluntário anunciado pela Vale.
Pela simulação projetada no estudo, nos próximos dois a três anos, o estado deixaria de gerar 15 mil empregos. A Vale diz que não vai demitir.
Para uma das autoras do estudo, os municípios podem começar a sentir efeitos na oferta de serviços público. “Ainda mais em um momento de crise fiscal do estado de Minas Gerais”, diz Débora Freire.
A Amig estima que a paralisação definitiva de 40 milhões de toneladas pode afetar 65 mil empregos diretos e indiretos e ter impacto negativo de R$ 7,7 bilhões na balança comercial.
Procurada, a Vale não quis dar entrevista. Itaminas e CBF não retornaram aos pedidos de informações.
Especialistas e autoridades locais concordam sobre a necessidade de reforçar a segurança das barragens de minério após dois desastres ambientais em pouco mais de três anos —no fim de 2015, uma barragem da Samarco em Mariana (MG) se rompeu matando 19 pessoas e deixou um rastro de lama até o litoral do Espírito Santo.
Eles pedem, porém, coordenação entre o setor e governos federal e estaduais para impedir os impactos econômicos.
“A coisa está sem rumo, sem liderança. Quem é que está discutindo isso a bem do país?”, diz Waldir Salvador, consultor da Amig (Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais).
“A empresa tem de dar segurança, tem de dar toda a tranquilidade à população com a barragem, mas também não podemos criminalizar a atividade minerária, porque crescemos em torno da mineração”, diz o prefeito de Sarzedo, Marcelo Pinheiro (PR).
A nota técnica de especialistas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) reforça a necessidade de diversificação das economias locais para enfrentar a atual dependência do minério de ferro nas cidades.
Salvador propõe como alternativa um fundo com recursos dos royalties para investimento em outras atividades econômicas.
Após o rompimento em Brumadinho, a ANM (Agência Nacional de Mineração) apresentou mudanças na regulação para eliminar as barragens com alteamento a montante até, no máximo, 2023.
Consulta pública sobre as novas regras foi encerrada na semana passada e recebeu 51 contribuições. A agência agora vai compilar as sugestões para finalizar o processo.
A Vale recebeu autorização para retornar as operações na mina de Brucutu, sua maior operação no estado, mas teve de interromper as operações na mina de Alegria.
O volume de produção suspenso passará a ser de 62,8 milhões de toneladas a partir desta semana.
Da FSP