Conheça os blocos de rua para além do post obsceno de Bolsonaro
Os blocos de Carnaval, alvos do comentário polêmico do presidente Jair Bolsonaro , são comumente cenas de bons exemplos. Foi assim no domingo de Carnaval quando o bloco Boi Tolo, conhecido entre os foliões por ser incansável e nunca parar, deu um intervalo de cerca de 20 minutos para que a vendedora ambulante Ágata Januário pudesse achar o filho Rafael, de apenas 6 anos, que havia se perdido em meio à multidão.
A atitude do público de se abaixar para que o menino fosse encontrado deu certo, como mostrou uma reportagem do GLOBO . No mesmo bloco, uma foliona perdeu o celular e, mesmo sem esperança de que fosse devolvido, ligou para o número. Um músico do cortejo parou de tocar, atendeu a chamada e entregou de volta o aparelho.
Exemplos como esses foram lembrados por internautas para rebater Bolsonaro, que postou em suas redes sociais um polêmico vídeo que mostra uma cena obscena, para, nas palavras dele, “expor a verdade para a população” sobre o que estaria se tornando o Carnaval no país, especificamente nos blocos.
Outro exemplo que vai na contramão do que o presidente falou ocorreu no bloco não oficial Trombetas Cósmicas do Jardim Elétrico, que saiu na segunda-feira de carnaval e fez o percurso Mirante do Pasmado-Praia Vermelha, na Zona Sul do Rio.
Em meio ao percurso, os foliões passavam por uma rua com o sinal inoperante quando, uma ambulância se aproximou. O público, então, se organizou e abriu um corredor para que o veículo pudesse passar sem problemas.
Em outro bloco, a Orquestra Voadora, cadeirantes ficaram nesta terça-feira do lado de dentro da corda – espaço destinado aos músicos para que eles tenham mais conforto para tocar em meio à multidão.
Assim, os deficientes físicos puderam curtir a folia e acompanhar o grupo sem entrar na disputa de espaço comum nos blocos. Também na Orquestra Voadora, uma trompetista tropeçou, caiu e quebrou um dos braços em um ensaio no último dia 24.
Como ela não tinha plano de saúde e precisaria fazer uma cirurgia, os colegas se organizaram e planejaram um cortejo, realizado três dias depois na Carioca, no Centro do Rio, para arrecadar fundos para que ela pudesse passar pela operação. Deu certo e ela já passou pela cirurgia.
Outra história positiva do Carnaval de rua veio de uma foliona que teve leucemia. Raquel Ramos Pombo de Mello, de 31 anos, resolveu chamar a atenção, no meio dos blocos, para a importância da doação de sangue. Raquel, com seus dentes afiados da fantasia de vampira, carregou plaquinhas do tipo: “Procura-se Jenifer para nos ajudar a reforçar os estoques de sangue” .
O namorado dela, Guilherme Jacques, usava a camisa “Doe sangue & plaquetas & esperança & amor”. A bióloga foi diagnosticada há um ano com leucemia e precisou passar por transfusões de sangue. Em setembro, fez um transplante de medula após a descoberta de um doador compatível no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome), banco que é coordenado pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca).
— Resolvi brincar de vampirinha e continuar essa campanha de tocar as pessoas! Peço para que os foliões doem o que puder, seja compartilhando informação, seja sangue ou se cadastrando para doar medula. As redes sociais estão cheias de ódio, e eu estou tentando levar um pouco de alegria e amor — afirmou ela, acompanhada pelos médicos Roberto Magalhães e Aline Borchardt, do setor de hematologia da UFRJ.
No cortejo do Bunytos de Corpo, na Tijuca, grande parte do público é LGBT. O folião Walter Nunes, de 28 anos, descobriu o bloco um dia antes do cortejo e reuniu alguns amigos com seus filhos para acompanhá-lo por conta da sátira aos padrões estéticos. Ele entendeu que essa seria uma oportunidade de mostrar a diversidade às pequenas Letícia Araújo (7), Julia Victória (10) e Lavínia Ferreira (9), filhas dos seus amigos.
— Contei a eles a proposta do bloco e acharam um bom lugar para passear com as crianças, já que não querem esconder nada delas. A ideia daqui é liberdade e reflexão sobre a ditadura da beleza. É um ambiente onde as meninas podem aprender a respeitar o outro e saber como é o mundo — relatou o folião, vestindo uma minissaia de tule.
Ainda na toada do respeito, uma das campanhas mais fortes nos blocos deste ano foi contra o assédio, seja em adesivos de “não é não” ou nas fantasias que pediam respeito. O empoderamento feminino foi uma das pautas mais levadas aos blocos pelos foliões neste carnaval.
No carnaval de São Paulo, um catador de latinhas recebeu contribuições de foliões que acompanhavam os festejos no cruzamento entre a Avenida Ipiranga e São João na última terça-feira. O catador foi abraçado pelos que se dispuseram a ajudá-lo.
E não só os blocos mantém alguns bons exemplos. A Subsecretaria da Pessoa com Deficiência do Rio divulgou no canal da prefeitura no YouTube a tradução dos sambas-enredo das 14 escolas do Grupo Especial para a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Coordenadora do projeto, Viviane Pinheiro diz que o trabalho não se restringiu a divulgar as músicas.
— Nós pegamos a sinopse do samba, visitamos os barracões e conversamos com as pessoas das agremiações, para que elas passassem para a gente o que cada verso daquele samba quer dizer. Então o surdo, quando vê essa tradução, compreende o que vai ser mostrado lá na Avenida — disse Viviane.
Na Bahia, o bom exemplo veio da cantora Ivete Sangalo. Ao ver de cima do trio que o isopor de uma ambulante tinha se quebrado, Ivete disse para a moça ficar tranquila que ela compraria um novo e que ele teria “até mais cerveja do que tinha”.
De O Globo