Dinaelza e Diva: a luta pela preservação da memória dos mortos pelo golpe de 1964
Em 22 de março de 1949, há 70 anos atrás, nasceu Dinaelza Soares Santana Coqueiro, no município baiano de Vitória da Conquista. No ano de 1974, agentes do Estado brasileiro tentaram desaparecer com ela. Seu corpo nunca mais foi visto. A família não pôde exercer seu direito humano fundamental de realizar os ritos funerários de passagem. No entanto, não conseguiram tornar Dinaelza uma desaparecida. A luta incessante e incansável de Diva Santana em preservar a memória de sua irmã, a manteve viva.
Para a família Santana, o desaparecimento é um fantasma que está sempre à espreita. Primeiro se aproximou na face dura e violenta da repressão lançada pelo Exército brasileiro contra os menos de cem militantes comunistas reunidos na região do Araguaia. Combatidos com força desproporcional, mortos em combate ou presos, torturados e executados. os militantes do PCdoB que se distribuíram nos três destacamentos da guerrilha foram objeto de sistemático esforço de eliminação não apenas física como também simbólica. Não bastava ao Estado brasileiro de então desaparecer com os corpos. Era necessário eliminar qualquer rastro da existência daqueles que ousaram se levantar contra o arbítrio da ditadura. Do contrário, seria necessário lembrar que Dinaelza, desde cedo, se mobilizou em defesa do que acreditava, integrando o Diretório Central Estudantil de sua universidade, logo em seguida passando ao comitê estudantil do PCdoB, aos 21 anos de idade. Seria preciso reconhecer também que, mesmo empregada na Transbrasil, renunciou ao conforto de uma vida estável para se deslocar à região da Gameleira, onde se tornou conhecida pela coragem e capacidade de sobrevivência na mata, em condições adversas. Lembrariam ainda que Dinaelza, ou Maria Dina, como ficou conhecida na região do Araguaia, integrou o grupo de estudo de literatura, com Vandick Reidner Coqueiro, que viria a ser seu marido, também morto no Araguaia .
Após a década de 1970, o fantasma do desaparecimento retornaria muitas vezes à porta da família Santana. A luta de Diva pelo conhecimento do paradeiro e pela preservação da memória de sua irmã a situou no radar dos serviços de informação. As primeiras caravanas de familiares à região do Araguaia foram monitoradas pelo SNI. A vigilância sobre Diva foi tamanha que os arquivos registram conversas suas em bares de Salvador. Não obstante, foi figura central na construção do Grupo Tortura Nunca Mais, bem como de grande parte das políticas que levaram ao Estado brasileiro a reconhecer seu papel nas graves violações aos direitos humanos ocorridas durante o período autoritário.
O desaparecimento político não é um evento, é um processo. Através dele pretende-se eliminar não apenas corpos, mas formas de existência no mundo. No caso de Dinaelza, as tentativas esbarraram na figura forte de Diva e no conjunto dos familiares de mortos na Guerrilha do Araguaia. Sua persistência presentifica a cada dia os entes queridos, cidadãos cujos direitos mais fundamentais foram violados, mas que encontram os caminhos para seguir intervindo em nossa realidade, nos fazendo refletir sobre nossos ideais de justiça, igualdade e humanidade.
Pela memória dos que lutaram como Dinaelza e dos que lutam como Diva e outras famílias brasileiras afetadas pela violência e pela dor do desaparecimento de um ente querido, será realizada em São Paulo, no Ibirapuera, no dia 31.03.2019 (domingo), a I Caminhada do Silêncio pelas vítimas de violência do Estado. Concentração na Praça da Paz (Portão 7), às 16:00 horas.
“Para que não se esqueça. Para que não se repita”.