Dodge enquadra Lava-Jato e procuradores de sua equipe pedem demissão
Autora do parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) que questionou a criação de uma fundação privada – com dinheiro recuperado da Petrobras – pelos procuradores da Lava-Jato em Curitiba, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enfrenta uma crise em sua gestão na Procuradoria-Geral da República (PGR).
Alvo de uma série de críticas de procuradores, nos canais internos da PGR – inclusive com pedidos de renúncia –, a chefe do Ministério Público Federal perdeu nos últimos dias dois auxiliares diretos, que pediram demissão em protesto contra sua conduta.
Na última semana, os dois procuradores que comandam o setor de perícias da PGR, Pablo Coutinho Barreto e Vitor Souza Cunha, renunciaram aos seus cargos. Ligado ao gabinete de Dodge, o órgão que eles integravam, conhecido como Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (SPPEA), era responsável por análises de documentos, mídias e quebras de sigilo que alimentavam as investigações da Lava-Jato que corriam na PGR e também nas procuradorias de primeira instância. Barreto era o chefe da secretaria e Vitor, seu adjunto.
A avaliação da classe é a de que, ao atacar a iniciativa da força-tarefa de Curitiba, ela atuou para agradar a classe política, traindo os propósitos que direcionam a instituição. Dodge, na avaliação de procuradores, teria perdido o apoio interno do Ministério Público Federal, abrindo mão dos votos necessários para integrar a lista tríplice de recondução ao cargo.
A procuradora conclui o primeiro mandato em setembro e pode ou não ser reconduzida pelo presidente Jair Bolsonaro para outro período de dois anos na PGR. Embora a lista não seja um requisito obrigatório, para figurar na relação de indicados ao presidente pela categoria, Dodge precisa estar entre os três mais bem votados na eleição do Ministério Público Federal.
Nesta semana, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também criticou, por meio de nota, a atuação de Dodge no caso da fundação dos procuradores da Lava-Jato. Para a ANPR, não pode ser usada uma ação no Supremo para revisar decisões do MPF em outras instâncias.
Na avaliação da associação, isso abre precedente para que outras entidades questionem quaisquer atos do Ministério Público diretamente ao Supremo. O órgão pretende se tornar parte na ação em que Dodge questiona a Lava-Jato, para defender os procuradores, abrindo uma briga direta com a procuradora-geral.
“A cronologia demonstra o excesso da ação. A ADPF foi apresentada pela PGR depois de os procuradores naturais do caso terem anunciado, duas horas antes, publicamente, que reavaliariam, conjuntamente com o Executivo e o Legislativo, a questão. A ADPF apresentada pela PGR nasce prejudicada e se configura desnecessária tanto do ponto de vista jurídico quanto institucional”, diz trecho da nota.
Desgastada sob críticas de lentidão no andamento dos processos e centralização excessiva no trabalho, Dodge estaria, na avaliação dessa ala de procuradores, cada vez mais desgastada na categoria. Sob a condição do anonimato, um procurador disse que, ao se opor à força-tarefa, Dodge “ganhou pontos com todas as esferas políticas”, mas perdeu espaço na instituição.
Nos grupos internos de discussão do MPF, a revolta chegou a níveis tão altos que um procurador sugeriu que a classe assinasse em conjunto um pedido de destituição de Raquel Dodge do cargo de PGR, a ser protocolado junto ao presidente Jair Bolsonaro. O autor da iniciativa se chama Ramiro Rockenbach, de Sergipe, alinhado ao ex-PGR Rodrigo Janot.
O GLOBO obteve cópia da minuta do documento. Nele, os procuradores argumentam que Dodge atentou “contra o livre exercício do Ministério Público” e contra a independência funcional dos procuradores da Lava-Jato de Curitiba.
O pedido não entra no mérito da criação da fundação, mas critica a atitude de Raquel Dodge. “A Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral da República, em seu propósito de atentar contra a independência funcional e o livre exercício do Ministério Público, apresentou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), perante o Supremo, em nítida violação ao devido processo legal, atravessando a independência de cada instância e, tão grave quanto, injustamente atacando de forma grave e desleal atuação dos membros do MPF no âmbito da Operação Lava-Jato, cuja relevância impulsionou, inclusive, o então magistrado de primeira instância condutor do caso, como cediço, ao honroso cargo de atual Ministro da Justiça dessa Presidência da República”, diz trecho do documento.
Procurada, a assessoria de imprensa da PGR afirmou que não se manifestaria sobre os fatos citados na matéria.
De O Globo