Em vez de alargar sua cadeira, Bolsonaro a encolhe

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Ex-parlamentar do baixo clero, Jair Bolsonaro alcançou o cargo máximo da República tanto pelo antipetismo quanto, ou mais, pelo sentimento de rejeição da população a elites, quaisquer que sejam elas.

Por um momento, assim que tomou posse, ensaiou um discurso digno dos presidentes com racionalidade, que apelam à conciliação nacional e buscam, ainda que apenas retoricamente, governar para todos. Não se sentiu à vontade no figurino.

Passados dois meses, sua estratégia dominante é cada vez mais clara: o sectarismo. Agarra-se aos apoiadores que respondem aos apelos emocionais, ouriçados por uma guerra cultural e ainda eleitoral. A disputa não acabou porque Bolsonaro não começou a governar ou mal sabe fazê-lo. Os pronunciamentos do ex-candidato que venceu sem debater com o adversário do segundo turno são curtíssimos.

Na posse, falou ao Congresso por menos de dez minutos, o mais rápido da democratização, com um quarto do tempo médio utilizado por Collor, FHC, Lula e Dilma, que foi de 37 minutos e meio.

No Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, o presidente tinha à disposição 45 minutos, e falou apenas seis (13%). Ontem, foram apenas quatro minutos na solenidade de comemoração dos 211 anos do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio, para uma plateia de militares à qual está acostumado.

Em vez de alargar sua cadeira, Bolsonaro a encolhe. Apequena a Presidência para caber no cargo. Mas não é apenas o quanto, mas o que Bolsonaro fala que causa espanto. O pendor para polêmicas estéreis é inversamente proporcional às respostas que precisa dar aos problemas da nação.

O candidato que fez campanha contra a ideologização e o aparelhamento estatal é o governante que dá corda para o grupo de apoiadores mais radicais, encabeçados pelos filhos políticos Carlos e o caçula Eduardo Bolsonaro, inflamados pela cruzada de extrema-direita do filósofo e guru Olavo de Carvalho.

Como bom presidente, Bolsonaro poderia escolher o caminho de ser um árbitro, um sábio, a dirimir as disputas e divergências internas. No entanto, ele mesmo incendeia o circo, num festival de tuítes desastrados como o vídeo de conteúdo obsceno postado no carnaval ou a sequência de mensagens que levou à queda do ministro palaciano Gustavo Bebianno.

Falta liturgia do cargo e na comunicação – algo fundamental num regime presidencialista. Bolsonaro cria um carnaval de polêmicas, crises, recuos, numa incontinência desnecessária que atrapalha e deixa de lado as respostas para os assuntos importantes.

As soluções são sempre simplistas: na segurança, ampliação da posse de armas; na educação, cantar nas escolas o Hino Nacional; nas relações exteriores, alinhamento automático com os Estados Unidos contra o globalismo supostamente esquerdizante.

A doutrina de Olavo banha e faz a cabeça de Bolsonaro.

Do Valor