Época: O que fazer caso seu filho veja o vídeo compartilhado por Bolsonaro
Após Bolsonaro publicar um vídeo de conteúdo pornográfico no Twitter, uma enxurrada de críticas recaiu sobre o presidente na última terça-feira (03). Uma delas lembra que crianças podem esbarrar nas cenas em que um homem urina sobre o outro, prática conhecida como “Golden Shower”.
Mas caso isso realmente aconteça, como os pais devem agir? Para a psicanalista Vera Iaconelli, o melhor a se fazer é comentar que aquele ato pertence somente ao mundo adulto e não deve ser feito publicamente, sendo limitado à esfera íntima.
Existe, no entanto, um assunto que a psicanalista considera um pouco mais espinhoso: como explicar a uma criança que o presidente da República compartilhou publicamente um vídeo de teor sexual?
“Aconteceram dois atos obscenos: o primeiro foi fazer aquilo na rua e o segundo aconteceu quando o presidente o publicou na internet”, afirmou ela. Em entrevista a ÉPOCA, Iaconelli analisa a postura de Bolsonaro e diz que todo conservadorismo extremo esconde uma dificuldade em lidar com questões sexuais.
O que os pais podem fazer caso seu filho ou sua filha vejam as cenas compartilhadas por Bolsonaro?
Existem três questões. A primeira é que aquilo que os adultos fazem entre si não é assunto de criança. Além disso, tem de mencionar que essas coisas não podem ser feitas publicamente, pois existe uma lei. Não quer dizer que elas estejam erradas, mas não pode fazê-las na frente dos outros. A questão que é mais complicada, que o mundo não sabe como responder nem a uma criança nem a ninguém é a seguinte: como o membro representativo mais importante de um país, o presidente da República, se presta a mostrar isso? A gente tem de falar para a criança que, apesar de ser o nosso presidente, o que ele cometeu também é um ato errado e ele vai ter de responder por isso. Não se pode demonizar o gesto sexual porque no sexo vale tudo desde que seja consensual e entre adultos, mas existe um decoro em relação à esfera pública.
O que a atitude que Bolsonaro adotou no Twitter sinaliza ao país?
É uma postura que mostra uma contradição profunda. Ele revela que, por trás de todo conservadorismo exacerbado, existe uma dificuldade em lidar com questões sexuais e com os desejos humanos. Tudo o que é muito exagerado revela o seu oposto. A mesma pessoa que diz que aquela cena é errada vai lá e mostra. Aconteceram dois atos obscenos: o primeiro é fazer aquilo na rua e o segundo aconteceu quando o presidente publicou esse ato na internet. Uma pessoa liberal, por outro lado, jamais divulgaria uma imagem dessas. Por trás de toda repressão, muitas vezes existe um desejo incontrolável de fazer o mesmo.
Esse movimento conservador que demoniza a sexualidade pode esconder então uma hipocrisia?
Totalmente. Isso vai aparecendo nessas distorções. Contraria tudo o que ele prega e revela que o conservadorismo extremo é, na verdade, uma dificuldade de lidar com a sexualidade. Aos olhos dessas pessoas conservadoras, ela parece algo perverso, mas elas acabam revelando o oposto.
Essa visão distorcida sobre a sexualidade nasce a partir do quê?
Nasce de experiências negativas. Para a criança, depende muito da forma como você mostra. Se os pais mostram a sexualidade como uma coisa do demônio, horrorosa e suja, ela pode se identificar com essa fala. O exemplo disso são os filhos do Bolsonaro, que foram criados em uma certa lógica que demoniza o sexo. Nesse contexto, a pessoa vai ter muitas visões distorcidas sobre o que é sexualidade porque viveu uma experiência distorcida a respeito desse tema.
Então essas visões podem gerar efeitos negativos na vida das pessoas?
Sim. Religiosos, por exemplo, não necessariamente lidam mal com a sexualidade. Então não tem nada a ver com as crenças religiosas das pessoas, e sim com uma forma suja de ver a sexualidade humana. Essa pessoa acaba se defendendo com o conservadorismo. Essa postura ao extremo revela uma visão distorcida sobre questões sexuais.
Da Época