Exército considera prisões no caso Marielle como legado da intervenção
Era fim de novembro quando as investigações sobre a morte de a vereadora Marielle Franco (PSOL) começaram a se definir. O general Richard Nunes, então secretário da Segurança Pública do Rio, recebeu do delegado Giniton Lages as informações de que estava na fase final o cruzamento de dados sobre os telefones usados na região onde o crime foi cometido, na noite do dia 14 de março de 2018.
A cúpula da Segurança tinha então uma certeza: apesar da dificuldade técnica, chegaria aos autores do crime. De fato, 33 mil linhas telefônicas foram verificadas e 318 foram grampeadas até a polícia conseguir localizar o aparelho que a levou a por um dos acusados – o policial militar reformado Ronnie Lessa – na cena do crime.
A principal preocupação então era evitar uma prisão açodada dos acusados, para, depois, vê-los soltos por falta de provas. O ano ia terminando quando os generais Walter de Souza Braga Netto, interventor federal na Segurança Pública do Rio, e Richard Nunes, então secretário da Segurança Pública, reuniram-se com o governador eleito Wilson Witzel.
Na época, soube-se que ambos pediram ao governador a manutenção da secretaria, que o recém-eleito planejava dividir em duas. Os generais, porém, fizeram outro pedido: que o governador mantivesse à frente da investigação do caso Marielle o delegado Giniton Lages, na Delegacia de Homicídios, que cuidava da investigação desde o começo.
As informações foram cruzadas, e os executores acabaram identificados. Nessa segunda fase das investigações, os generais esperam que se encontrem provas suficientes para botar na cadeia os mandantes do crime. Eles não têm dúvida nenhuma de que por trás de Lessa e do outro acusado do assassinato, o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, estão pessoas que já constavam da lista de suspeitos do crime. Nesta terça, o comando do Exército decidiu não se manifestar sobre o desfecho do caso.
Mas os militares afirmam que foram os interesses econômicos da milícia, contrariados pela atuação de Marielle Franco, que motivaram o crime. Entre as atividades ameaçadas pela atuação da vereadora estava o controle da terra, a grilagem na região oeste do Rio, conforme contou o então secretário da Segurança. E entre os suspeitos “continua no páreo” o vereador Marcello Siciliano, que já foi alvo de busca e apreensão – o político se diz vítima de uma suspeita injusta.
Durante o tempo em que foi secretário, o PM Lessa chegou a pesquisar dados pessoais do general Richard Nunes – o denunciado pela morte de Marielle também pesquisou informações sobre o então deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL). Para o Exército, portanto, não resta dúvida de que a milícia está por trás do crime, uma organização criminosa que age como uma máfia.
Os integrantes do Comando Militar do Leste (CML) acreditam que o esclarecimento da morte de Marielle e a prisão de seus executores é mais um legado da intervenção federal no Rio. Entre outros motivos porque foi a cúpula da intervenção que enfrentou em 2018 as pressões para a federalização do crime e as suspeitas de que se tentava obstruir as investigações para descobrir os autores do crime.
“Deixamos a equipe da Delegacia de Homicídios trabalhar para chegar ao resultado, para fazer o trabalho isento, sem nenhuma pressão externa”, lembrou nesta terça um dos generais do Palácio Duque de Caxias. “Era toda semana pedido para afastar o delegado e federalizar o crime”, afirmou outro general. “Para o cruzamento de dados que levou às prisões foi decisiva a reprodução simulada dos fatos, feita em maio, com nosso apoio ”, lembrou o oficial.
Do Estadão