Jacinda Ardern demonstrou que um chefe de Estado pode ser firme e sensível
Leia a coluna de Ilona Szabó de Carvalho, empreendedora cívica, mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo”.
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Liderança no século 21
Que tipo de liderança precisamos cultivar para enfrentar os imensos desafios dos nossos tempos? Os episódios trágicos de Suzano e Nova Zelândia nos trazem importantes elementos para essa reflexão. Em ambas as tragédias chamou a atenção a influência que o discurso de ódio e a propagação de ideias extremistas e de violência em redes sociais e fóruns anônimos tiveram sobre os seus autores. Porém, gostaria de ressaltar as diferenças na forma como as lideranças de ambos os países lidaram com os eventos traumáticos. Acredito que há lições que podem nos ajudar a escolher nossos governantes.
Do lado de cá, após o massacre —um dos piores da história do país—, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) seguiu agenda normal e somente após seis horas do ocorrido fez uma declaração condenando o ato e prestando suas condolências às famílias das vítimas. A reação de maior destaque sobre medidas a serem tomadas após o massacre veio de um senador do partido do governo, Major Olímpio (PSL-SP), que disse que o massacre poderia ter sido evitado se algum funcionário da escola, incluindo os professores, estivesse armado. Ele aproveitou a tragédia para reiterar seu apoio à revogação da lei de controle de armas conhecida como Estatuto do Desarmamento.
Do lado de lá, Jacinda Ardern inspirou diferentes gerações e, segundo o New York Times, “mostrou o caminho” para todo o mundo do que se espera de uma liderança como exemplo de empatia, respeito e combate ao ódio. Ela condenou a xenofobia e o racismo, dizendo que seu país não será dividido, e demonstrou solidariedade com as vítimas e familiares ao usar o lenço muçulmano (hijab) ao prestar suas homenagens. Se negou a dizer o nome do atirador, alertando que ele não teria a notoriedade que estava buscando, e condenou duramente o discurso de ódio, apontando a responsabilidade das redes sociais, lembrando que não podem pensar somente no lucro.
Jacinda demonstrou que uma chefe de Estado pode ser firme e sensível. Além de dar lições de compaixão e empatia, teve a coragem e a responsabilidade de tomar ações para prevenir novas tragédias. Ordenou um inquérito nacional que deverá determinar se a polícia e os serviços secretos poderiam ter evitado o duplo ataque às mesquitas de Al Noor e Linwood e trabalhou com parlamentares para proibir a venda de armas de assalto e semiautomáticas, em um país com longa tradição de posse de armas. Uma semana após o ataque, cumpriram-se dois minutos de silêncio, e a chamada à oração islâmica foi transmitida na rádio e televisão públicas para todo o país.
Jacinda foi a mulher mais jovem a assumir o cargo de primeira-ministra na história, aos 37 anos. Foi a segunda chefe de Estado a se tornar mãe no exercício do mandato (a primeira foi Benazir Bhutto em 1990, no Paquistão).
Tive a sorte de conhecê-la em encontros da rede de jovens lideranças globais do Fórum Econômico Mundial, da qual ambas fazemos parte. Passei a admirá-la ainda mais por suas colocações sobre temas-chave como mudanças climáticas e inclusão social e econômica, em janeiro desse ano, em Davos.
Passarei as duas próximas semanas no curso Liderança Global e Políticas Públicas para o Século 21, em Harvard, estudando e pensando sobre como formar e eleger melhores líderes que tenham compromisso real com a melhoria da qualidade de vida desta e das próximas gerações. Jacinda nos deixa várias pistas.
Finalizo com uma provocação: como podemos melhorar nossas escolhas democráticas para superar os desafios que teremos pela frente? Parafraseando Joseph de Maistre, temos a oportunidade de escolher as lideranças que merecemos. Conto com cada um de vocês.
Da FSP