Jaques Wagner: “Acabar com o fundo especial para financiamento de campanhas é retrocesso”
O mundo assiste a uma crise de representação sem precedentes que atinge diversas democracias e derrete instituições, mas poucos têm a coragem de colocar o dedo na ferida do verdadeiro problema: a captura do sistema político pelas corporações e pelas grandes fortunas individuais.
Todos querem um sistema em que partidos e governos representem a população e busquem soluções às suas necessidades. Se estas instituições são mais sensíveis aos interesses dos seus grandes doadores, o cidadão se afasta do processo eleitoral e a confiança na política desaba.
O financiamento das campanhas eleitorais por empresas e fortunas individuais cria uma enorme desigualdade política. Candidatos ricos ou apoiados pelas companhias têm muito mais chances de se eleger que o cidadão comum. Em uma democracia digna desse nome, os candidatos devem disputar em condições de igualdade. Para isso, o financiamento público é fundamental.
A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a proibição de doações empresariais em 2015 deu concretude à essência do princípio democrático, cuja premissa é que ricos e pobres devem ser iguais no processo eleitoral. Empresas não são cidadãos e não defendem ideologias, mas seu próprio lucro. Decisões políticas nesse mesmo sentido foram tomadas por diversos países, como França, México, Portugal e Canadá.
A criação do fundo eleitoral em 2017 foi uma saída natural para dotar candidatos e candidatas de condições mínimas para a competição eleitoral. Longe de ser uma jabuticaba tupiniquim, o financiamento público é uma tendência atual no mundo afora. Dados da International Idea sobre financiamento político revelam que na Europa ocidental, por exemplo, a média dos recursos públicos no financiamento da política é maior que 60% da renda dos partidos, chegando a 80% em Portugal, Espanha, Itália e Bélgica.
O fim do financiamento empresarial e a criação do fundo eleitoral permitiu novidades positivas nas eleições de 2018, como o inédito barateamento das campanhas. A redução do volume e a rastreabilidade dos recursos estatais criaram um ambiente mais favorável à fiscalização dos órgãos de controle, da imprensa e da sociedade. A existência de recursos para as campanhas é um forte estímulo para que candidatos não recorram a fontes ilícitas.
É claro que precisamos avançar. As campanhas devem ser ainda mais baratas, a transparência precisa aumentar e as direções partidárias, conquanto devam ser fortalecidas, não podem ser cartoriais, como acontece em alguns partidos. Mas é a própria experiência democrática, os ajustes da legislação e a ação dos órgãos de controle que produzirão esses aperfeiçoamentos.
Portanto, não se trata de “gastar” dinheiro com políticos, mas de investimento na democracia. Cidadãos com boas ideias e disposição para fazer a diferença devem disputar eleições com condições razoáveis de vencer. Não é de hoje que alertamos: a relação pouco republicana entre os grandes doadores corporativos e o sistema político captura a democracia, pois acaba por submeter a coisa pública aos interesses privados.
Acabar com o fundo eleitoral é o mesmo que ressuscitar o voto censitário ou de cabresto, em que a vontade do dinheiro fala mais alto do que os desejos da sociedade. Representará imenso retrocesso e o retorno ao pântano do financiamento empresarial. Seria como jogar a água suja da banheira com a criança dentro. Eleições limpas, com igualdade de condições entre candidatos ricos e pobres, são fundamentais para permitir que o cidadão possa reocupar o espaço da política.
Jaques Wagner
Senador (PT-BA), ex-governador da Bahia (2007-2014) e ex-ministro da Defesa (2015) e da Casa Civil (2015-2016, gestão Dilma)
Da FSP