Na adversidade, a cultura brasileira se fortalecerá e resistirá à barbárie

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Após a eleição de Jair Bolsonaro, Fernanda Montenegro defendeu a classe artística no Domingão do Faustão. Tensa, a atriz declarou: “Podemos não ter uma profissão prioritária, mas temos uma profissão libertária”. A atriz se referia, de maneira indireta, ao suposto hedonismo dos artistas, preconceito difundido pelos conservadores que saíram do armário nos últimos anos.

Como se isso fosse calar o espírito questionador dos artistas, os governos conservadores têm uma estranha mania de tentar acabar com o Ministério da Cultura (MinC).

Criado em 1985, como símbolo da redemocratização e sinal de que o país iria exorcizar o fantasma da perseguição a artistas e intelectuais, o MinC foi extinto em 1990 por Collor, recriado em 1992, extinto por alguns dias em 2016, após o impeachment, e agora novamente desaparece.

Em 1990, fundações culturais e a Lei de Incentivo foram extintas. O congelamento da poupança impediu o investimento de produtores privados. O setor cultural ficou perplexo e paralisado, mas se reorganizou e a tentativa de Collor de apagar a cultura contribuiu para seu impeachment.

Com Michel Temer, o MinC desfaleceu por uma semana. A péssima repercussão e a resistência fizeram o governo voltar atrás. O MinC perdeu potência, em meio a escândalos, como o que envolveu o ex-ministro Geddel Vieira Lima.

O novo fim do MinC é simbólico da pretensão de acabar com a Nova República. Nesse período (1985-2018), prevaleceu o consenso de que o MinC e a diversidade de pensamento, sem dirigismo cultural, faziam parte do pacto da redemocratização, apesar dos embates e da alternância entre PMDB (depois MDB), PSDB e PT.

Agora, mais do que enxugar a máquina, busca-se calar o espírito libertário da criação. A Lei Rouanet virou pretexto para atacar os artistas. Vende-se a parcelas desinformadas da sociedade, doutrinadas por fakes news, que a cultura é altamente subsidiada e não gera retorno econômico. Até o modo de vida dos artistas é condenado.

Toda a cadeia produtiva da cultura, ramo de economia cada vez mais relevante na contemporaneidade e apoiada pelos governos em todo o mundo, passou a ser questionada. Como esta Folha informou (“Pente-fino nos patrocínios da Petrobras deve frear o audiovisual e as artes cênicas”), a Petrobras, fundamental para a vida cultural do país, reduzirá drasticamente seus aportes, gerando um apagão em vários segmentos. Até o Sesc, entidade gerida pelo setor empresarial, de indiscutível relevância, está ameaçado.

Nesse desmonte convergem a agenda conservadora de Olavo de Carvalho e dos bolsonaristas, que pretendem impor o dirigismo e o patrulhamento ideológico, e a agenda hiperliberal de Paulo Guedes, que propõe um ajuste fiscal radical enxugando os recursos públicos.

Um setor estratégico está em risco, o que poderá gerar novas tragédias, como o incêndio do Museu Nacional, crise em setores promissores da economia criativa, como o audiovisual e a música, e afetar a cidadania cultural. A ameaça de fechamento do Cine Belas Artes e do Cinearte, patrocinados pela Caixa e pela Petrobras, é mais um sintoma do retrocesso que vivemos.

O obscurantismo que se configura vai na contramão do que ocorre nos países desenvolvidos, que valorizam o papel estratégico da cultura.

Assim como fundamentalistas destruíram patrimônios da humanidade na Síria, no Iraque e no Afeganistão, os novos fanáticos brasileiros querem silenciar nossa diversidade cultural, o que se combina com os ataques promovidos contra indígenas e quilombolas.

Mas engana-se os que acreditam que a extinção do MinC e a redução do financiamento à cultura silenciarão vozes dissonantes, a crítica e o espírito libertário dos artistas. Na adversidade, a cultura brasileira se fortalecerá e resistirá à barbárie.

Da FSP