No ‘novo Brasil’, pensar é um crime
Leia a coluna de Clóvis Rossi, repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.
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Sergio Moro preferiu os que atiram aos que pensam
O desconvite a Ilona Szabó para ocupar um cargo (não remunerado) no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária é mais uma firme indicação de que, no governo que pretende erguer um “novo Brasil”, pensar é pecado, atirar é preciso.
Ilona pensa. Por isso, os hidrófobos do bolsonarismo saíram atirando nas redes sociais e o ministro Sérgio Moro mostrou-se pusilânime e preferiu atender aos atiradores em vez de continuar contando com quem pensa.
Se Ilona pensa bem ou pensa mal, não é relevante nessa questão. Ela não seria executiva, não determinaria políticas, não assinaria decretos. Apenas seria conselheira, mas, para os hidrófobos do bolsonarismo, só valem conselhos imbecis.
Quem é Ilona Szabó? Tem mestrado em estudos de conflito e paz pela Universidade de Uppsala, na Suécia (será que a Suécia é também um epicentro do tal de “globalismo”, que deve ser desterrado para o bem do novo Brasil?). É cofundadora e diretora-executiva do Instituto Igarapé, que produz pesquisas sobre segurança, justiça e desenvolvimento, além de colunista da Folha.
Cito apenas um exemplo do que Ilona é capaz de pensar: um movimento chamado Instinto de Vida, que parte de dados aterradores sobre a violência na América Latina.
O subcontinente, com apenas 8% da população mundial, concentra a maior quantidade de homicídios no mundo: 38% dos assassinatos no planeta ocorrem na região. O problema se concentra ainda mais em sete países: Brasil, Colômbia, El Salvador, Honduras, Guatemala, México e Venezuela. Cerca de 34% dos homicídios do mundo ocorrem nesses lugares.
O Instituto Igarapé, de que Ilona é cofundadora, juntou-se às várias organizações da região para criar o Instinto de Vida. A proposta central é reduzir a violência letal à metade em 10 anos.
Pode ser uma utopia, mas é sempre colocando metas talvez utópicas que os países avançam e alcançam eventualmente objetivos não tão espetaculares, mas sempre mais alentadores do que ficar no horrendo status quo.
É essa especialista que Bolsonaro mandou Moro dispensar —e o ministro, tão valente como juiz, enfiou o rabo entre as pernas e acatou. É uma vergonha pois o próprio Moro, em nota oficial, disse que a escolha havia sido “motivada pelos relevantes conhecimentos da nomeada na área de segurança pública e igualmente pela notoriedade e qualidade dos serviços prestados pelo Instituto Igarapé”.
De quebra, deixou também o Conselho Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, outra instituição que presta serviços de qualidade na área de segurança pública.
O governo fica com seus franco-atiradores e perde a contribuição de quem pensa.
Da FSP