O golpe de 64 torturou e matou estudantes e publicou anúncio falso
Em 20 de março, no ano de 1946, nascia no Rio de Janeiro José Carlos Novaes da Mata Machado, líder estudantil morto pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985.
Filho de Yedda e Edgar, Mata Machado era dirigente nacional da APML e foi morto por agentes do DOICODI de Pernambuco, em 28 de outubro de 1973, juntamente com Gildo Macedo Lacerda. Os dois estudantes tinham sido presos em dias e locais distintos – Mata Machado no dia 19 de outubro, em São Paulo, e Gildo no dia 22 de outubro, em Salvador – e foram transferidos para Recife, onde foram mortos sob tortura.
A versão dos órgãos de segurança, publicada no jornal, dizia que ambos haviam sido mortos em tiroteio, por um terceiro militante da organização clandestina, Rubens Manoel Lemos, que teria conseguido fugir. Entretanto, depoimentos juntados ao processo na Secretaria de Justiça de Pernambuco, na CEMDP e na CNV desmentiram essa versão. Quando o militante Rubens Manoel foi preso e chegou às dependências do DOI-CODI de Recife, em outubro de 1973, ele já encontrou os jovens dodois minados e torturados. Aliás, um deles já parecia morto e outro, agonizante, ainda conseguiu balbuciar-lhe: “Companheiro, meu nome é Mata Machado. Sou dirigente nacional da AP. Estou morrendo. Se puder, avise meus companheiros que eu não abri nada.”
A morte de José Carlos foi presenciada também por duas estudantes – Fernanda Gomes de Matos e Melania Almeida Carvalho – igualmente detidas na ocasião. Carlúcio Castanha, preso em 18/10/1973 em Recife e levado ao DOI-CODI, declarou ter presenciado a chegada de Gildo Macedo e Mata Machado algemados e encapuzados, onde foram brutalmente torturados durante dias. A versão oficial terminou de ser derrubada quando o ex-militante Gilberto Prata Soares relatou sua atividade como colaborador dos órgãos de segurança, entre 1973 e 1982, e confirmou tais fatos.
As lideranças estudantis, Gildo Lacerda e Mata Machado, foram enterrados como indigentes num caixão de madeira sem tampa, com um fundo pouco espesso. Em 1969, Gildo Macedo Lacerda havia sido escolhido vice-presidente da UNE, integrou a direção nacional da AP em 1971, ano em que foi deslocado para Salvador (BA). Ali assumiu a responsabilidade de implantar o trabalho camponês da organização clandestina. Se casou, em 1972, e teve uma filha, que não chegou a conhecer porque a criança só nasceria em 1974. Seu corpo jamais foi devolvido à família. A família Mata Machado conseguiu resgatar o corpo algumas semanas depois. Os dois processos foram relatados juntos e apreciados na primeira reunião da CEMDP. Segundo a relatora, que votou pelo deferimento dos dois pedidos, “ficou plenamente comprovado que Gildo Macedo Lacerda e José Carlos Novaes da Mata Machado foram presos e torturados até a morte pelos órgãos de segurança, sendo falsa a versão das mortes em tiroteio”.
Hoje os estudantes da Universidade de Uberaba têm como entidade de representação o DCE Gildo Macedo Lacerda, nome que também foi conferido a uma avenida no bairro da Pampulha, em Belo Horizonte. O nome de Mata Machado foi dado a uma rua em Belo Horizonte no lugar de sua antiga denominação, Dan Mitrione, nome de um agente norte-americano que esteve no Brasil para ensinar métodos de tortura, sendo posteriormente sequestrado e morto pelo Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, no Uruguai.
“Para que não se esqueça, para que não se repita”.