Pedir justiça por Marielle é lutar pelos grupos de minorias que ela representava
Por Anielle Franco, professora, ativista e irmã de Marielle Franco
***
Hoje milhares de pessoas gritam “Marielle vive ou Marielle Presente”. E de certa forma, esses gritos, tornaram-se um ato de resistência para todas e todos. Mas isso requer coragem. Não é qualquer pessoa que assume lados e toma para si responsabilidades de luta e militância. Pedir justiça por Marielle é como lutar por muitos grupos de minorias que ela representava arduamente em sua trajetória política e de vida.
E há exatamente um ano, percebemos um movimento iniciado por essa morte trágica e covarde, que invade o peito de centenas de pessoas, principalmente mulheres, fazendo com que elas sigam muito mais fortalecidas, juntas, firmes, e ecoando uma só voz: a voz de Marielle.
Essa voz que impunha respeito, o fim dos padrões, e um combate constante ao racismo, patriarcado e a hétero normatividade. Que alguns insistem tanto em tentar calar. Na verdade, apenas insistem, mas não conseguem. Há um ano seguimos na dor, mas seguimos. Mataram a Marielle, e arrancaram de nós uma mulher que trazia em si todo afeto e comprometimento político que eu jamais vi em outra pessoa.
Mas mataram também a filha, a mãe, a esposa, a madrinha e a irmã. E cada dia que eu penso nela, eu sinto um buraco que me rasga e me traz as maiores lembranças que eu poderia ter vivido em 35 anos de cuidado, amizade e parceria.
Eu queria que isso tudo fosse só um pesadelo, mas já tem um ano desde o momento em que eu cheguei naquela rua no Estácio e vi a mão de minha irmã pendurada, com seu sangue escorrendo, e seus pertences no chão. Já tem ano desde que eu recebi uma ligação que mudaria completamente minha vida para sempre. Já tem um ano desde que fui reconhecer o corpo de minha única irmã no IML.
Já tem um ano desde que eu ouvi e vi seu último sorriso largo, me chamando de “naninha”. Já tem um ano desde que almoçamos pela última vez e falamos sobre todos os nossos medos, anseios, expectativas, amores, sonhos e metas. Um ano inteiro de saudade, que se passou desde essa tragédia fatídica, angustiante e triste. E assim tudo mudou. Tudo mesmo!
Nesse ano, o que fizemos com nossa saudade e nosso luto foi algo que aprendemos com a própria Marielle. A força daquela mulher veio da força da própria família, que, desde nossa bisavó, sempre lutou contra o machismo e estereótipos em seus momentos mais difíceis. Uma força que todo mundo percebia e admirava do momento em que chegava, até o momento que saía.
Hoje trago comigo memórias de uma irmã que sempre teve caráter, valores, um coração gigante, força, afeto, e que lutou incansavelmente por dias melhores. Dói-me muito saber que minha parceira não volta mais. Dói saber que não teremos mais nossos almoços de domingo regados a risadas e muita comida, sempre cheio de palavrão e brincadeira. Mas eu sei que de alguma forma ela está comigo.
Hoje eu sinto que temos uma conexão de sangue e ancestralidade inexplicáveis. Eu ainda sinto a presença dela nos ajudando a tomar decisões e a seguir em frente mesmo na dor. Eu ainda sinto que mesmo em planos diferentes, ela não larga a minha mão e me guia nesse turbilhão de incertezas.
Foi um ano de luta, de mudança, de dor, de saudade, mas também de aprendizado e orgulho. Aprendemos que nossa luta vale a pena e que nossos valores devem nos acompanhar sempre. E me orgulho de ver o que ela se tornou e a maneira que invadiu esse mundão.
Orgulho-me também em ver seu trabalho alcançando diversos países, mesmo que dessa forma. E orgulho-me ainda mais em saber que minha gerou aquela mulher e eu pude conviver com ela por 35 anos, tendo acesso ao seu lado político, de mãe, esposa, filha, amiga e irmã. Que bom, que mesmo desejando muitos outros anos, isso foi possível.
No meu peito hoje, eu só tenho uma opção: seguir! Seguiremos lutando. Lutando por justiça e dignidade. Não nos calaremos diante de tantas atrocidades, e não recuaremos mesmo em tempos de fascismo. Por Marielle, eu luto, tu lutas e nós lutaremos.
Sigamos!
Da FSP