Pesquisador afirma que escolas precisam intervir em conflitos para evitar massacres
O massacre ocorrido na escola de Columbine, nos EUA, que deixou 13 mortos em abril em 1999, pode ter servido de inspiração à dupla que promoveu o ataque ao colégio de Suzano.
A avaliação é de Sérgio Kodato, professor de psicologia social da USP Ribeirão Preto, coordenador do Observatório da Violência da universidade, que estuda a agressividade de alunos em escolas brasileiras.
“O modus operandi é muito parecido”, disse ele, em referência ao planejamento, às armas, aos possíveis explosivos, às roupas pretas e ao aparente suicídio de ambos os autores (a polícia investiga a possibilidade de que um deles tenha atirado no outro).
Kodato diz que a repercussão desse tipo de crime propaga um modelo de solução para pessoas que estão sofrendo com discriminação e não encontram na escola um amparo contra seus perseguidores.
Por isso, para ele, as escolas precisam criar ouvidorias para receber queixas e tentar intervir nesses conflitos antes que terminam em massacres como este.
O que chamou sua atenção nesse ataque à escola de Suzano?
O que me chamou a atenção foi o armamento. Mostra que foi algo planejado, premeditado meticulosamente. Sem dúvida, eles tiveram modelo, inspirações para realizar um crime desses.
Na hora em que vi a notícia, eu me lembrei imediatamente de Columbine. Os indivíduos estavam vestidos de preto, com armas, com um modus operandi muito parecido. Até o suicídio dos dois, a mesma coisa que aconteceu em Columbine. Eles já tinham planejado inclusive isso, se matarem no final.
Isso tudo me chamou a atenção porque o episódio de Columbine, que até virou filme, foi amplamente divulgado. E a exposição na mídia acabada fornecendo um método, um caminho, para indivíduos que também estão sofrendo bullying, se sentido discriminados, perseguidos, vítimas de gozação. Todos os canais estão, agora, repetindo exaustivamente a notícia. De uma forma ou de outra, estão horrorizando a população e, ao mesmo tempo, essa divulgação massiva acaba atingindo aqueles que também se senem vítimas e que acabam se identificando com os atiradores, com os “vingadores”.
O ataque é, também, um recado à própria escola?
Sem dúvida. Muitas vezes o que os jovens se queixam é de que eles sofriam violência, sofriam discriminação, sofriam bullying, e que se queixaram à instituição, mas a instituição não tomou nenhuma providência. A instituição não entrou em defesa deles, não puniu os perseguidores. Então, como a instituição não cumpriu o seu papel, eles, se viram obrigados a assumir esse papel de vingadores, de justiceiros, e, em consequência, descarregam a raiva deles em cima da escola, porque é onde tudo ocorreu.
Os adolescentes estão menos tolerantes às frustrações ou sempre foi assim?
Antigamente, os conflitos, mesmo entre adolescentes, eram resolvidos ou indo para diretoria ou mesmo chamando os pais. Não havia essa questão de armas na escola. Os problemas eram tratados como indisciplina, não como violência, delinquência, criminalidade. Hoje em dia, houve um avanço do que chamamos de violência nas escolas. Uma perda total da autoridade do professor. E, com isso, os conflitos passaram a ser resolvidos não na diretoria ou de forma amigável mas de forma violenta, na base da porrada. A grande diferença é que os adolescentes estão sendo criados na base daquilo que chamamos de “luta ou fuga”. Ou luta para se defender da violência toda, ou foge –para não se envolver nesse processo todo.
Essa fuga pode terminar em suicídio?
Sem dúvida, porque tem uma hora que a situação fica insuportável, principalmente para aqueles que são vítimas de bullying ou discriminação. A escola que deveria ser o local civilizatório, mas se ela perde esse papel, o professor perde o papel de mediar as brigas entre os alunos, então você não tem a quem recorrer. Antigamente, na pior das hipóteses, você recorria ao professor, ao inspetor, ao diretor. Mesmo nas brigas na rua tinha o pessoal do “deixa disso”, mas, hoje até mesmo nessas brigas as pessoas formam suas rodinhas para ficar olhando, muitas vezes filmando. Então os conflitos são resolvidos na base da violência.
O que as escolas podem fazer?
As escolas deveriam privilegiar uma espécie de ouvidoria. Em muitas escolas a gente recomendava colocar urnas nas classes, para [os alunos] colocarem queixas. Quando o indivíduo está desesperado e se sente vítima de discriminação e não tem canais competentes para expressar essa insatisfação, aí ele vai planejar algo desse tipo. São muitas vezes indivíduos, entre aspas, fracassados, seja em termos escolares, seja em termos estéticos.
Da FSP