Presos da Lava Jato costumam ficar encarcerados em Curitiba. Isso é mesmo necessário?

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Deveria causar mais estranhamento a diretriz estabelecida de se manter as pessoas presas por conta de condenações na Operação Lava Jato em Curitiba-PR, seja na carceragem da Polícia Federal ou no Complexo Médico-Penal de Pinhais.

Ainda que seja comum, de fato, que a execução da pena se dê no local da condenação, essa não é uma regra absoluta. É somente uma das opções. A rigor, a execução penal tem autonomia em relação ao processo de conhecimento e deve ser orientada segundo os dois objetivos estabelecidos no art. 1º da Lei de Execução Penal (LEP): “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado”. Nenhum dos dois pressupõe a permanência no local da condenação, sobretudo se ela dificulta o contato familiar e prejudica a própria “integração social” mencionada no dispositivo legal, a qual significa, no caso, principalmente a preservação do contato familiar.

Há marcos normativos mais contundentes que o mero juízo de conveniência do Estado a apontar para a necessidade de respeitar o direito do preso de cumprir sua pena em localidade próxima a de seus familiares. E tais marcos podem embasar eventuais pedidos de transferência pelas defesas, a serem analisados, por óbvio, caso a caso.

A Regra nº. 59 das Regras de Mandela (Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos) afirma que “os presos devem ser alocados, na medida do possível, em unidades prisionais próximas às suas casas ou ao local de sua reabilitação social”. A LEP é explícita em permitir o cumprimento da pena em localidade diversa da condenação (art. 86) e em estabelecer obrigação de haver cadeias públicas em todas as comarcas, destinadas a presos provisórios, com o fim de resguardar a “permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar” (art. 103).

Não há a mesma clareza quanto a pessoas já condenadas, mas é um pressuposto para viabilização do direito a receber visita de familiares e amigos (art. 41, X, LEP), sob pena de as dificultar ou até as inviabilizar. Além disso, tem o potencial de gerar dificuldades operacionais e custos desnecessários ao Estado em situações como a que atendeu ao inquestionável direito do ex-presidente Lula em ter permissão de saída para comparecer ao velório de seu neto.

É particularmente grave a restrição do contato familiar das mulheres encarceradas, entre outros fatores por conta da menor quantidade de estabelecimentos prisionais femininos. A dificuldade motiva a busca de alternativas através da tecnologia como, por exemplo, as “visitas virtuais” realizadas por meio audiovisual, projeto-piloto em curso no Estado do Paraná.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, o direito de cumprir pena próximo aos familiares não é absoluto, podendo o pedido de transferência ser indeferido caso haja fundamentos relevantes para tanto. Se não houver vagas no estabelecimento de destino, por exemplo. Mesmo assim, é de se insistir: a mera conveniência e oportunidade do Estado não pode ser fundamento suficiente a prevalecer sobre as regras legais e diretrizes internacionais que exigem a preservação do contato e dos laços familiares, amparadas pela vedação constitucional a penas crueis.

* André Giamberardino é defensor público estadual e professor da Universidade Federal do Paraná. Membro do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e autor dos livros “Curso de Penologia e Execução Penal” (coautoria com Massimo Pavarini), “Comentários à Lei de Execução Penal” e “Crítica da pena e justiça restaurativa”.

Do Estadão