Professores não estão na escola para andar armados antes do próximo massacre
Leia a coluna de Vladimir Safatle, professor de filosofia da USP, autor de “O Circuito dos Afetos: Corpos Políticos, Desamparo e o Fim do Indivíduo”.
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A educação pela bala
Como se não bastasse a tragédia, na sequência há sempre a infâmia. Depois do massacre perpetrado por dois jovens na escola de Suzano, tivemos de conviver com a declaração de um senador da República, o senhor Olímpio, a afirmar: “Se os professores estivessem armados e se os serventes estivessem armados, esta tragédia poderia ser evitada”.
Desculpem-me pelo uso da primeira pessoa do singular, mas enquanto professor nunca me senti tão ultrajado por um senhor que se considera político.
Não estamos em ambiente de ensino para andar armados à espera do próximo massacre. Nem vamos pôr curso de tiro como matéria obrigatória de licenciatura. Se o Estado não sabe como garantir a segurança, que não peça aos professores, essa classe tão demonizada exatamente por pessoas do porte do senhor Olímpio, que façam o papel de protagonista de hospício.
Como se vê, no Brasil, a profissão de professora e professor de escola se transformou no que há de pior. Tratados como bandidos pelo governo, como doutrinadores perniciosos pelos que tomaram de assalto o Estado, com salários absurdos, com condições de trabalho deteriorada, eles agora deverão andar armados para não serem as vítimas do próximo massacre. Só que com o salário oferecido, fica difícil até comprar uma arma.
Como sempre ocorre após massacres dessa natureza, veremos esse espetáculo macabro de pessoas defendendo o princípio de uma sociedade armada até os dentes, afirmando que ainda há poucas armas em circulação, que se todos estivessem armados a violência seria menor.
Aos poucos, eles querem que mesmo professores estejam armados, enfermeiras, jornalistas, vizinhos para enfim realizarem seu desejo inconfesso de uma sociedade da desconfiança generalizada, do medo contínuo, da guerra iminente de todos contra todos. Pois é assim que se governa.
O desgoverno Bolsonaro não é responsável direto pelo ocorrido, isso é óbvio. Mas ele é o piromaníaco que entra em uma loja de explosivos com uma tocha. Ele é aquele que irá multiplicar a circulação de armas em um país que agora terá de se acostumar com o fato de que pais levarão filhos à escola sem ter a garantia de que eles não serão a próxima vítima de adolescentes munidos de um arsenal.
O problema é que há uma parcela da sociedade brasileira que irá com eles para o abismo, levando todos juntos.
De toda forma, não deve ser um mero acaso que, no mesmo momento em que nossas escolas viram palcos de massacre, o Ministério da Educação esteja em processo aberto de decomposição. Por mais que seja possível ter críticas profundas às políticas educacionais anteriores, nunca a educação nacional foi tratada de forma tão leviana e irresponsável.
Tomada pelo delírio lisérgico da cruzada contra o “marxismo cultural” e a “ideologia de gênero” como fonte de todos os males, ela vê o desfile de pessoas que nunca entraram em uma sala de aula passar pelos corredores do ministério e desaparecerem no ritmo de intrigas palacianas.
Comandada por um senhor que demonstrou toda sua inépcia e desconhecimento, a educação nacional acostuma-se com o seu desmonte final. Pois fica claro que, na verdade, ninguém tem plano educacional algum, que as ações desencontradas ligadas ao ministério parecem sair da cabeça de um bêbado. Nada minimamente próximo de preparar o país para ser um polo de pesquisa, de formação crítica.
Mas, como já dissera anteriormente, isso não deveria nos surpreender. Pois não se trata mais de governar, ninguém tem a ilusão de governar algo. Até a luta contra a violência está a ser terceirizada.
Da FSP