Programas parados do MEC prejudicam redes do ensino básico
Em meio à crise interna do Ministério da Educação (MEC), que afastou ontem a terceira secretária-executiva em apenas dez dias, uma série de programas voltados ao ensino básico estão travados.
Os projetos atingidos pela paralisia na pasta, executados em parceria com estados e municípios, envolvem principalmente a elaboração de currículos, apoio à alfabetização e ações voltadas a adolescentes. O impacto já é sentido pelas redes de ensino, que iniciaram há mais de um mês o ano letivo e continuam sem saber o futuro das iniciativas que vinham tocando.
A estagnação do Programa Nacional de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular (ProBNCC) foi indicada em ofício do MEC enviado aos secretários estaduais e dirigentes municipais de Educação em fevereiro.
No documento, obtido pelo GLOBO, a pasta informa ter ciência de que bolsas no âmbito do projeto devem continuar a ser pagas em 2019, mas coloca em suspenso a continuidade do projeto.
“Cumpre informar que os programas em execução neste ministério encontram-se sob análise da gestão atual, especialmente no que tange à possibilidades e às restrições orçamentárias para o exercício de 2019”, diz o ofício da Secretaria de Educação Básica da pasta.
Ao final do comunicado, a mensagem fica mais clara: “Qualquer informação acerca dos próximos passos em relação ao programa em comento será enviada oficialmente por esta Diretoria tão logo seja possível”, referindo-se ao ProBNCC.
A incerteza sobre o andamento do projeto continua e já causa atrasos no cronograma de implementação dos currículos alinhados à Base Nacional Comum Curricular, segundo Marléa Ramos Alves, diretora da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação do Rio Grande do Sul (Undime-RS).
Ela afirma que as bolsas pagas aos profissionais envolvidos no trabalho foram suspensas e não há orientações do MEC sobre a como proceder.
— Nós estamos em “stand by”. A única informação é que as políticas estão sendo analisadas. Mas temos prazo para implementar nossos currículos, não podemos ficar parados. Além do recurso, tem o apoio técnico, de orientação, que foi pactuado — afirma Marléa.
O programa ProBNCC foi criado para apoiar estados e municípios a elaborar e implementar seus currículos à luz da Base Nacional Comum Curricular. Conhecido pela sigla BNCC, o documento estabelece o que deve ser ensinado em cada etapa escolar do ensino médio.
Para fomentar a elaboração dos documentos estaduais e municipais, o MEC garantiu o pagamento de até 31 bolsas por estado, no valor de R$ 1.100. O repasse foi efetuado de maio a dezembro de 2018 e deveria cobrir mais dez meses em 2019.
Helio Queiroz Daher, que é superintendente de políticas educacionais da Secretaria de Educação de Mato Grosso do Sul, também aguarda os recursos do MEC para iniciar a redação do currículo do ensino médio no estado. Ele destaca que haverá lentidão devido à “inércia do ministério” nas ações tocadas.
— Com as bolsas, conseguimos colocar profissionais com dedicação maior em todas as fases, que envolvem a escrita e aprovação do currículo, formação de professores e implementação. Vamos fazer com ou sem o apoio, mas é claro que o apoio ajuda e agiliza — afirma Daher.
Sem dinheiro para alfabetização
Outra iniciativa emperrada é o programa Mais Alfabetização, voltado a melhorar o ensino no 1º e 2º anos do ensino fundamental.
Escolas que aderiram ao projeto para 2019 esperam pelo recebimento dos recursos na conta. O programa prevê a contratação de um assistente de alfabetização para cada classe atendida.
O gerente de ensino de um município do interior de São Paulo, que prefere não se identificar por temer represálias, relata que liga constantemente para o MEC. E a única resposta que recebe é que o programa está em análise.
Sem o recurso, as turmas que tinham o Mais Alfabetização no município desde o ano passado perderam o apoio. Ofício do MEC com instruções sobre o programa, recebido em fevereiro pelas redes de ensino, trouxe a mesma indefinição ouvida por Daher nas consultas que faz a pasta.
Sob o pretexto de “cobrir com maior abrangência possível do programa”, o documento aponta que analisa “demandas” de estados e municípios. E finaliza afirmando que “qualquer informação acerca dos próximos passos” sobre o programa será enviada “logo que seja possível”.
A mensagem para que os gestores esperem os próximos comandos, presentes nos ofícios sobre ProBNCC e Mais Alfabetização, repete-se no caso de comunicação enviada, ainda em janeiro, sobre o Programa Escola do Adolescente. Mais de 10 mil escolas aderiram à iniciativa, que começaria neste ano, mas estão sem retorno do MEC.
O programa não envolve repasse direto de recursos. Começa com qualificação de profissionais, que já deveria ter começado. Inclui também compartilhamento de ferramentas tecnológicas e pesquisas de campo.
O objetivo é adotar metodologias que melhorem a aprendizagem entre os adolescentes e promover um ambiente atrativo na escola, visando o bom rendimento escolar.
Marléa Ramos Alves, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação do Rio Grande do Sul (Undime-RS), afirma que as escolas se organizaram para receber o programa Escola do Adolescente, mas hoje não conseguem nem saber se a iniciativa vai sair do papel, embora estivesse prevista para começar já no início deste ano.
— A gente entende que, havendo troca de gestão, a nova equipe precise de um tempo para saber dos processos, conhecer a situação, mas não dá para ficar sem respostas desse jeito — diz Marléa.
O MEC foi procurado para falar sobre problemas apontados nos programas, mas não retornou o contato do GLOBO.
De O Globo