Tabata Amaral sugere ao próprio Ricardo Vélez que ele se demita do MEC
Quem assistiu ao discurso de estreia da deputada Tabata Amaral (PDT-SP), 25 anos, no plenário da Câmara dos Deputados, em fevereiro, não poderia imaginar que menos de dois meses depois ela colocaria contra a parede um ministro septuagenário do Governo Jair Bolsonaro. De fala mansa, linear e sem alterações, a deputada não carrega em seu discurso os trejeitos inflamados de palanque. “A educação não muda se as políticas e os políticos não mudarem”, disse ela, em pouco mais de cinco minutos de apresentação. E foi exatamente essa conduta serena e sem precisar mudar o tom de voz que fez o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, ficar sem resposta nesta quarta-feira durante uma reunião da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.
Durante as cinco horas que duraram a audiência, os seis minutos da fala da neófita em Brasília foram os mais tensos. A deputada questionou o despreparo do ministro e a falta de um projeto concreto para a educação. “Em um trimestre não é possível que o senhor apresente um Power Point com dois, três desejos para cada área da educação. Cadê os projetos? Cadê as metas? Quem são os responsáveis?”, perguntou ela. “Eu quero saber: onde eu encontro esses projetos? Não dá para acreditar que essa paralisia vá levar ao sucesso da educação brasileira”.
Diante da apresentação que o ministro havia feito na audiência, a voz mansa de Tabata Amaral poderia ser para muitos um exercício de autocontrole. Chama atenção a superficialidade dos slides apresentados por Vélez. Um deles, que tratava sobre os “eixos prioritários de atuação para a educação básica”, elencava quatro vagas ideias: Discussão do Fundeb [o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento na Educação Básica], descentralização responsável, fortalecimento dos municípios e superação de desigualdades regionais. “Isso aqui não é um planejamento estratégico. Isso aqui é uma lista de desejos”, criticou a deputada.
Embora novata no Congresso, Amaral trabalha com o tema da educação há alguns anos. Em 2014, foi uma das fundadoras do Mapa Educação, um movimento social que pretende engajar os jovens na luta por uma educação de qualidade. Nasceu e cresceu na periferia de São Paulo, filha de um cobrador de ônibus e de uma diarista. Estudou a vida inteira em escola pública, e conseguiu chegar a Harvard, onde se formou em ciência política e astrofísica. O histórico da deputada, que circulou entre Barack Obama, Ciro Gomes e Luciano Huck, poderia ser a personificação de um dos termos favoritos e mais em voga entre a direita brasileira, a meritocracia. Mas do alto de seu currículo, a deputada rejeita o slogan “quem quer consegue” e diz que só se pode falar em méritos com oportunidades iguais e assim impõe dificuldades aos que querem rebater sua eloquência. “Não viemos aqui esperando resultados”, afirmou ela. “Mas sim algum indício de que havia algum planejamento estratégico. Saio desta reunião extremamente decepcionada e sentindo que a sua incapacidade de apresentar uma proposta, de saber dados básicos e fundamentais é um desrespeito ao Brasil todo. Eu não conheço um bom gestor que não saiba o mínimo do que está fazendo”.
A jovem deputada finalizou sua breve fala afirmando não esperar respostas do ministro, que permaneceu em silêncio ao longo de todo seu discurso, inclusive quando ela sugeriu sua demissão. “Eu não espero mais nenhuma resposta, eu já entendi que isso não vai acontecer. Então a mim me resta continuar o meu trabalho de educação, que não começa com este mandato, e esperar que o senhor mude de atitude, o que parece completamente improvável, ou saia do cargo de ministro da Educação. Obrigada”.
Ao aconselhar Vélez a deixar o cargo, a deputada joga ainda mais o ministro contra as cordas. No centro de uma crise em sua pasta que já rendeu 16 demissões no MEC, Vélez, de 76 anos, não estava na posição mais confortável para participar da reunião. Na própria quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro havia admitido, em entrevista à TV Band, que há “coisas que não estão dando certo” na pasta do ministro indicado por Olavo de Carvalho.
No olho do furacão, a demissão de Vélez passou a ser ventilada na noite de quarta-feira. O presidente, como de costume, foi às redes sociais para falar sobre o tema, mas não defendeu claramente Vélez. “Sofro fake news diárias como esse caso da “demissão” do Ministro Velez. A mídia cria narrativas de que NÃO GOVERNO, SOU ATRAPALHADO [caixa alta do autor], etc. Você sabe quem quer nos desgastar para se criar uma ação definitiva contra meu mandato no futuro. Nosso compromisso é com você, com o Brasil”, escreveu Bolsonaro, sendo retuitado por Ricardo Vélez.
Ainda na reunião com a comissão de Educação da Câmara, o ministro disse para Amaral que são as secretarias do MEC que sabem dos dados quantitativos questionados por ela. “Se a senhora não espera respostas, por que faz perguntas?”, indagou o ministro, para, ao final, se limitar a dizer que “a única coisa que posso dizer é que fico. Só me demito se o presidente da República achar que a minha colaboração não está sendo adequada”. À Band, Bolsonaro afirmou que conversará com o ministro da Educação somente no retorno de sua viagem para Israel, programada para acontecer neste domingo e durar três dias.
De El País