Cheques emitidos por Trump a ex-advogado reforçam suspeitas de crime eleitoral
Num dia movimentado na Casa Branca, há um ano e meio, o presidente Donald Trump recebeu senadores para discutir cortes nos impostos e acusou uma deputada democrata de distorcer o que ele disse num telefonema de condolências à viúva de um militar. Seu decreto proibindo a entrada no país de viajantes de países muçulmanos sofreu nova derrota judicial.
E em algum momento dessa quarta-feira, 18 de outubro de 2017, Trump assinou um cheque de US$ 35 mil (R$ 134 mil) para seu advogado, que havia feito pagamentos para impedir que supostos erros de conduta sexual do presidente fossem expostos antes da eleição presidencial de 2011.
Foi uma de 11 ocasiões em que Trump ou sua fundação preencheram cheques desse tipo, seis dos quais foram mostrados ao The New York Times nesta semana.
No cerne do depoimento prestado por Michael Cohen, o ex-advogado de Trump, perante o Congresso na semana passada estava a acusação de que o presidente, no exercício de seu cargo, financiou uma operação ilegal de acobertamento na Casa Branca.
As datas dos cheques agora disponibilizados lançam luz sobre as vidas paralelas que Trump estava vivendo: ao mesmo tempo administrando assuntos de Estado e, em segredo, pagando o preço necessário para manter seus segredos pessoais longe do olhar público —levando adiante algo que promotores federais descreveram como um esquema criminoso dirigido por Trump para violar as leis que regem o financiamento de campanhas políticas.
Defensores do presidente disseram que os cheques comprovam apenas que Trump pagou seu advogado pessoal, não que ele necessariamente soubesse que o dinheiro se destinava a reembolsar Cohen por pagamentos que ele fizera a Stormy Daniels, a atriz de filmes pornô que alega ter tido um caso extraconjugal com Trump, para que guardasse silêncio sobre as acusações. O presidente nega ter tido o caso.
O deputado Jim Jordan, líder republicano do Comitê de Fiscalização e Reformas da Câmara e um dos aliados do presidente, disse que os pagamentos podem ter sido um adiantamento por serviços, embora Cohen tenha dito que não houve adiantamento.
Os críticos do presidente dizem que os cheques, a maioria ostentando a assinatura de Trump, reforçam a conclusão dos promotores sobre o envolvimento dele no esquema. Cohen se confessou culpado de violar as leis de financiamento de campanhas e também de mentir ao Congresso. Ele enfrenta pena de até três anos de prisão.
“Os US$ 35 mil são uma indicação da qualidade da prova”, disse Robert F. Bauer, professor de direito na Universidade de Nova York e ex-advogado da Casa Branca no governo de Barack Obama.
“O cheque mostra a extensão do papel de liderança exercido por Trump. Ele deixa pouca margem à dúvida de que, quando deixar a Presidência, Trump irá a julgamento criminal pelos mesmos delitos pelos quais Cohen vai cumprir pena de prisão.”
Pessoas próximas a Trump preveem que ele vai acabar tentando se reeleger para um segundo mandato presidencial em parte para fugir da exposição legal. Embora não exista consenso, a política do Departamento de Justiça prevê que um presidente não pode ser indiciado criminalmente enquanto estiver no cargo.
Os cheques para Cohen foram mandados com periodicidade mais ou menos mensal ao longo de 2017, o primeiro ano de Trump na Presidência. Cohen entregou dois cheques à Câmara na semana passada, e seu advogado, Lanny Davis, mostrou outros seis ao NYT nesta semana. A equipe de Cohen disse que está procurando três outros cheques.
Dos oito cheques já disponibilizados, sete foram de US$ 35 mil e um foi de US$ 70 mil, para cobrir dois meses. Seis foram assinados pelo próprio Trump quando ele já era presidente e os outros dois foram assinados por seu filho mais velho, Donald Trump Jr., e pelo diretor financeiro de sua empresa, Allen Weisselberg.
Segundo promotores federais, Trump ou sua fundação pagaram US$ 420 mil (R$ 1,6 milhão) a Michael Cohen. Desse total, US$ 130 mil (R$ 499 mil) eram reembolso por pagamentos feitos antes da eleição de 2016 a Stormy Daniel, cujo nome oficial é Stephanie Clifford, para que ela não levasse sua história a público.
Outros US$ 50 mil (R$ 192 mil) foram um reembolso a Cohen por seu esforço para manipular sondagens online de modo a inflar a reputação de Trump como empresário.
Esses US$ 180 mil foram então “misturados” com outros US$ 180 mil para compensar por impostos que Cohen teria que pagar sobre o dinheiro original. Outros US$ 60 mil (R$ 230 mil) foram acrescentados como “bônus”.
Trump já deu versões conflitantes sobre o assunto. Em abril de 2018, disse que não tinha conhecimento do pagamento a Daniels. Mas um mês mais tarde, seu advogado Rudy Giuliani, na esperança de refutar a sugestão de que o pagamento pudesse ter sido uma violação das leis de financiamento de campanhas, disse que o presidente havia reembolsado Cohen por pagamentos que ele fizera à atriz.
Citando Cohen e outras evidências, promotores do Distrito Sul de Nova York disseram em documentos do tribunal que Trump dirigiu o esquema, o que, essencialmente, faria dele um co-conspirador não indiciado.
“Estamos falando de um crime cometido pelo presidente dos EUA, sem margem para dúvidas”, disse Davis.
Uma pessoa próxima a Trump disse que o presidente pode ter pensado que os cheques fossem um pagamento por honorários advocatícios gerais, mas pode não ter sabido a razão. Os associados do presidente destacam que o pagamento a Cohen foi um entre vários pagamentos que o presidente fazia todos os meses a título pessoal.
Lanny Davis ironizou essa ideia. “Você [Trump] negou o caso com Stormy Daniels, e isso foi mentira”, ele disse. “Agora está negando que tivesse conhecimento desse pagamento para silenciá-la e do reembolso a Cohen, coisas que Giuliani diz que eram de seu conhecimento. Sua alegação de desconhecimento não tem credibilidade nenhuma.”
Da FSP