Posts ideológicos de Bolsonaro monopolizam debate na internet e prejudicarão discussões sobre reforma
Com 9,3 milhões de seguidores no Facebook e 3,6 milhões no Twitter, o presidente Jair Bolsonaro não tem priorizado os projetos mais urgentes do governo quando utiliza suas redes sociais para se comunicar, em especial quando se trata da reforma da Previdência.
Postagens sobre temas culturais e ideológicos têm monopolizado o debate na internet e podem prejudicar as discussões políticas sobre a reforma — o que já tem causado preocupação em parlamentares da base.
Das últimas cem postagens do presidente — até sexta-feira —, apenas dez versavam sobre a reforma. O engajamento dos seguidores varia conforme os temas. Na última semana, as três postagens polêmicas sobre o carnaval feitas por Bolsonaro somaram 380 mil interações (a soma entre curtidas e compartilhamentos) no Twitter, enquanto as dez publicações sobre a reforma tiveram, juntas, 350 mil reações até a noite de sexta-feira.
Tal desfecho tem desagradado a base, a ponto de o próprio Delegado Waldir, líder do PSL na Câmara, orientar os deputados federais do partido a opinar menos sobre questões culturais e depositar mais energia na articulação para a aprovação da reforma — sobretudo quando estiverem na tribuna.
— Todas as questões ideológicas têm de ficar nas redes sociais, não acrescentam em nada — afirma, apesar das publicações de Bolsonaro.
Os melhores números de Bolsonaro no Twitter foram alcançados com publicações sem relação direta com ações do seu governo. Das postagens com mais interações, duas eram ligadas a polêmicas (do “golden shower” e da suposta censura a um filme LGBT)
No Congresso, há apelos por uma mudança na postura nas redes sociais. O líder do PPS na Câmara, Daniel Coelho (PE), relata ter feito cobrança direta ao presidente em reunião com líderes partidários, feita no dia 26, por mais dedicação ao comunicar a reforma:
— Essa agenda conservadora, que ele tem insistido porque dá like , é um debate que ele sabe que ganha. O desafio dele agora é ganhar o debate sobre a Previdência, porque esse não está ganho. Tenho medo que a gente fique preso em uma agenda que não leve o Brasil a lugar nenhum.
Joice Hasselmann, líder do governo no Congresso, disse que há uma discussão sobre “baixar o tom em alguns temas específicos”. O ideal, segundo ela, é que os parlamentares da base foquem toda a energia na reforma, sem deixar de fazer contraponto com a oposição quando é necessário:
— Claro que o PSL sempre vai ter uma linha de confronto com o PT, mas não dá para transformar toda a discussão em um bate-boca interminável.
O barulho reverberado pelo presidente nas redes impactou diretamente o teor das discussões on-line sobre a reforma. Um relatório elaborado pelo instituto Ideia Big Data mostra que o nome do presidente foi mencionado mais de 3 milhões de vezes entre os dias 1º e 7 de março, sendo 1,7 milhão só na última quarta-feira — dia da publicação sobre o “ golden shower ” e a distribuição, pelo presidente, de um vídeo com atos obscenos durante um bloco de carnaval. No mesmo período, o termo “Previdência” foi citado apenas 135 mil vezes.
A diretora do instituto, Cristiana Brandão, avalia que uma queda no número de menções à Previdência era esperada por causa do feriado do carnaval, mas ressalta que as postagens de Bolsonaro prejudicaram ainda mais as discussões sobre o assunto:
— A maneira como o Bolsonaro se comportou nas redes sociais nos últimos dias é um indício de que a reforma não é prioritária. Ele esvaziou o debate mais importante.
Em razão da polêmica, as menções negativas a Bolsonaro nesse mesmo intervalo de sete dias foram mais do que o dobro das positivas (30% contra 13%), de acordo com a ferramenta Talkwalker . Isso fez com que a estratégia digital do Palácio do Planalto fosse alterada na última quinta-feira. Bolsonaro decidiu, então, fazer uma sequência de publicações sobre a Previdência.
Ele também retomou uma prática recorrente no período de campanha: as transmissões ao vivo, que devem voltar a ser semanais. A mudança ocorreu após auxiliares próximos e integrantes da área de comunicação do Planalto conversarem com o presidente.
Eles tentaram explicar que as falas “atravessadas” e postagens polêmicas, por mais que dialoguem em certa medida com alguma parte de seu eleitorado, fizeram com que o governo tivesse de se explicar, gastando um tempo que poderia ser utilizado para dialogar e convencer a população sobre a necessidade da reforma.
Na avaliação do diretor-executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Fabro Steibel, o governo ainda está tentando encontrar a maneira certa de se comunicar, mas isso não é feito de forma técnica, e sim em um esquema de tentativa e erro.
Polêmicas à parte, o alcance das publicações de Bolsonaro diminuiu quase 50% no Twitter em relação ao período de campanha, de 24 milhões de interações, entre setembro e outubro, para 16 milhões, entre janeiro e fevereiro, segundo a ferramenta Crowdtangle.
Questionado sobre a queda do aliado, o Delegado Waldir considera que pode ser atribuída, em parte, à comunicação formal do governo, que desperta menos amores e rancores por parte dos internautas. Nesse caso, o líder defende que Bolsonaro seja mais flexível:
— Ele vai ter que, em determinado momento, voltar a ser o presidente. Com mais critérios, mais cuidados. Mas não pode perder as características.
De O Globo