Caso Constança Rezende: Vá trabalhar, Bolsonaro!
Jair Bolsonaro, que é, de direito, presidente da República, não quer se comportar, de fato, como tal. Ele se sente mais confortável como o líder espiritual de uma milícia nas redes sociais, que está organizada para atacar aqueles que considera inimigos, para destruir reputações e para hostilizar a imprensa. Acredita que, assim, conseguirá realizar seus objetivos.
Quais? Também não sabemos. Exceção feita à generalização da posse e do porte de armas, ao desmonte de toda a estrutura que investiga crimes ambientais e à licença que ele pretende dar à polícia para matar, seu programa de governo é desconhecido.
E a reforma da Previdência? Até agora, ele não abraçou a questão para valer. O que quer que venha a ser aprovado de positivo nessa área deverá ser atribuído a Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Não fosse assim, seu chefe da Casa Civil não estaria agora caçando moscas adaptadas ao clima da Antártida. Estaria no ambiente bem mais quente da Câmara, tentando ganhar votos para a reforma. Por que essa afirmação?
Bolsonaro recorreu ao Twitter para dar curso a uma pilantragem publicada num site que lhe faz mesuras — o bolsonarismo também tem seus blogs, suas páginas e seus pseudojornalistas sujos, inclusive em rádios e TVs —, segundo a qual a jornalista Constança Rezende, do Estadão, teria manifestado, numa conversa, a intenção de arruinar a vida do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e de provocar o impeachment do presidente. Escreveu o chefe do Executivo — ou, para ser mais preciso, escreveram por ele:
“Constança Rezende, do “O Estado de SP” diz querer arruinar a vida de Flávio Bolsonaro e buscar o Impeachment do Presidente Jair Bolsonaro. Ela é filha de Chico Otavio, profissional do “O Globo”. Querem derrubar o Governo, com chantagens, desinformações e vazamentos.”
Ocorre que isso é mentira! Em nenhum momento — mesmo nos trechos da conversa, mantida em inglês, divulgados pelo próprio bolsonarismo —, a repórter manifesta a intenção de arruinar Flávio ou de derrubar o presidente. O que ela diz é que o caso Fabrício Queiroz tem potencial para provocar a ruina do senador. E, sim, levanta a possibilidade de a investigação não prosperar, o que seria uma frustração, porque poderia ser um caso de impeachment. Então vamos pela ordem:
1: o caso, de fato, pode arruinar Flávio Bolsonaro; Constança fala a verdade;
2: se chegar ao presidente, a depender do modo, poderia ser caso de impeachment; Constança fala a verdade;
3: crimes que não são investigados em razão do poder político dos criminosos frustram as pessoas decentes. Trata-se de um fundamento moral.
A interpretação que as milícias bolsonaristas estão dando à coisa é nojenta. Constança está sendo massacrada. Ainda que ela tivesse dito o que não disse, que sentido faz associá-la, por exemplo, ao pai, que trabalha no Globo? Explico: o propósito é evidenciar que existe uma conspiração da imprensa contra Bolsonaro. Ele e seus malucos clínicos fazem uma penca de bobagens por dia, mas a culpa seria do jornalismo. Bolsonaro nem quer governar nem quer fazer reforma. Ele quer o país num permanente clima de guerra. Foi assim que ele e os filhos construíram suas respectivas carreiras políticas. E só sabem fazer isso. Bolsonaro não conseguiria distinguir a Constituição de uma fatia de gelatina de rosbife…
Ah, sim: Constança manteve essa conversa em janeiro com um sujeito que se identificou como Alex MacAllister, “suposto estudante interessado em fazer um estudo comparativo entre Donald Trump e Jair Bolsonaro”. Tudo indica que ele era outra coisa e que Constança foi vítima de um embusteiro. Ele estava gravando a conversa, como se vê, que agora vem a público.
A repórter diz dispor de documentos que teriam sido vazados pelo Coaf. E o bolsonarismo está fazendo escarcéu com isso. Até parece que a Lava Jato, que elegeu Bolsonaro — e lá está Sérgio Moro como ministro da Justiça —, jamais vazou o conteúdo sigiloso de uma investigação para a imprensa, não é mesmo? Sem os vazamentos, a história da Lava Jato teria sido outra. Sim, eu topo fazer o debate sobre a indústria de vazamentos. Mas essa é outra conversa.
O que temos agora? O presidente da República, com o poder de que dispõe, e suas milícias virtuais escolheram uma profissional da imprensa para massacrar. Trata-se de um ataque ao jornalismo. Espero que o Estadão dê o devido suporte a Constança para que ela processe Bolsonaro por danos morais. Sua foto está hoje da tela de malucos dos mais variados matizes Brasil afora. Se algo de ruim acontecer à jornalista, o responsável será o ilustríssimo senhor presidente da República, que deveria governar o país em vez de se comportar como um adolescente psicopata de Internet.
Do UOL