Responsável pelo Itamaraty não prestou atenção às aulas de História e diz que o “nazismo é de esquerda”

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O pronunciamento do atual chanceler Ernesto Araújo sobre o “nazismo ser de esquerda” é, sem sombra de dúvidas, prova de uma ignorância teórica inadmissível para qualquer estudante egresso do Ensino Médio – o tamanho do absurdo, quando emitido por um ministro de Estado é incomensurável, mais ainda quando se trata do responsável pelo Itamaraty.

Pensando no público em geral, que pode ficar confuso com esse tipo de discurso partindo de uma pessoa que ocupa importante função no Executivo Federal, vou fazer alguns esclarecimentos aqui. Por sua vez, estes esclarecimentos podem ser, obviamente, consultados pelo próprio ministro a fim de que ele tenha as informações necessárias para que não volte a ser alvo de chacota internacional (pelo menos no tocante a esse assunto).

O que levou ao surgimento, fortalecimento e tomada do poder pelos regimes fascistas (incluindo o nazismo) foram as consequências da Primeira Guerra Mundial, que destruíram o continente europeu, aliadas à Crise de 1929, que abalou toda a economia capitalista mundial. (Do ponto de vista político, no Brasil a crise de 1929 levou à eclosão da Revolução de 1930, que colocou Vargas no poder, encerrando o monopólio político das oligarquias rurais).

A situação em muitos países da Europa era gravíssima, com o desemprego em níveis altíssimos, inflação sem precedentes e muita insatisfação popular.

A principal causa da Crise de 1929 foi a política liberal, a qual condenava a intervenção do Estado nos assuntos econômicos (da mesma forma que o neoliberalismo prega hoje). Assim, mesmo se percebendo que os valores das ações estavam acima do que realmente deveriam, ninguém fez nada para impedir haja vista a máxima liberal “a economia se move por suas próprias leis”. O resultado foi o colapso, fazendo com que em menos de 24 horas milionários perdessem tudo e, como falado anteriormente, todo o sistema capitalista fosse afetado. São conhecidos os números expressivos de suicídios em decorrência da quebra da Bolsa de NY.

Assim, em alguns países como Itália e Alemanha surgiram movimentos que tinham por principais pontos em seu discurso o combate ao liberalismo, tanto político quanto econômico, de um lado, e o combate ao socialismo e demais ideias igualitárias, por outro.

Dessa forma, aqueles líderes se aliaram ao empresariado (que temia a situação de penúria levar a massa de desempregados e miseráveis a se mobilizarem por uma revolução de caráter socialista, nos moldes da ocorrida na Rússia – que colocou Lenin, e posteriormente Stalin, no poder).

Logo, houve uma aliança entre a burguesia e os líderes fascistas por meio da qual puderam assumir o governo, com total proteção à propriedade privada. O caso do fascismo alemão (nazismo ou nazi-fascismo) tem ao menos um componente diferenciado que merece destaque: o discurso de superioridade da raça ariana. Assim, todos os que não se enquadravam naquele perfil foram perseguidos, juntamente com os militantes socialistas e comunistas (esquerda), e tiveram seus bens tomados pelo Estado (só a propriedade privada daqueles grupos não foi protegida, pois eram considerados inimigos da pátria). Na Alemanha ocorreu também a cessão, pelo governo, de prisioneiros alemães para que trabalhassem como escravos em diversas empresas, como foi o caso de Schindler, retratado no filme “A lista de Schindler”.

Face ao exposto, o nazismo, assim como todos os fascismos, não pode nunca ser considerado um movimento ou governo de esquerda porque: a) protegeu a propriedade privada, b) aliou-se à burguesia e c) combateu os intelectuais, militantes e movimentos de esquerda, juntamente como todos os defensores da democracia. Logo ele foi um movimento autoritário de direita, antiliberal do ponto de vista econômico (o Estado tinha “mão forte” sobre a economia) e do ponto de vista político (uma ditadura de partido único com governo centralizado na figura do chefe).

Eric Hobsbawn em seu livro “A era dos Extremos” demonstra que foi justamente por seu caráter antiliberal e antissocialista que o nazismo conseguiu juntar do mesmo lado da trincheira os EUA (baluarte do liberalismo) e a URSS (primeiro país a fazer uma revolução socialista e conseguir se manter no poder consistentemente). O autor enfatiza que só o fascismo conseguiria tal façanha.

Com esta intenção de esclarecimento, não pretendo defender ideologia alguma, apenas reiterar o necessário cuidado que pessoas públicas, sobretudo membros do governo, precisam ter ao fazer qualquer tipo de pronunciamento. Por mais que outros interesses ideológicos, políticos ou de qualquer natureza estejam em jogo, é no mínimo constrangedor que o chanceler (o principal responsável por representar o Brasil perante os outros países, depois do chefe de Estado) cometa tamanho erro conceitual e teórico. Não podemos esperar muito dos presidentes, mas dos ministros das relações exteriores sim, haja vista a seriedade da formação diplomática no país a qual, imagino, não permitira que seus alunos gazeteassem tantas aulas.

Infelizmente, talvez por esse cuidado mesmo, nós professores estejamos sendo tão atacados ultimamente. Por um lado dizem que não ensinamos o que deveríamos, principalmente os de História, e, de outro, somos chamados de “doutrinadores” pois, ao que parece, esse tipo de ação que ora realizo é vista por muitos como “doutrinação”.

Cosme Freire Marins, do Facebook