Associação dos Engenheiros da Petrobras mostra que a administração quer entregar empresa à concorrência
Nos dois primeiros meses de mandato, o governo Bolsonaro não conseguiu melhorar as expectativas quanto ao dinamismo da economia, acorrentada a um PIB que em 2018 estacionou no mesmo patamar de seis anos atrás, segundo o IBGE.
Entre dezembro e janeiro, o desemprego aumentou de 11,6% para 11,9% e não se vislumbra nas manifestações e iniciativas governamentais relacionadas à área econômica nenhuma proposta capaz de mudar a situação. Como se isso fosse pouco, governo, militares e Congresso dedicam-se a desnacionalizar e a extirpar do País empresas, tecnologias e riquezas vitais para o dia ainda longínquo em que o Brasil reencontrará o crescimento.
Destaca-se nessa dilapidação o aniquilamento da Petrobras, a maior empresa do Brasil e uma das mais importantes do mundo, motor da maior cadeia produtiva de óleo e gás, geradora de nada menos que 10% do PIB e 15% do investimento total.
Um trabalho conduzido, por mais incrível que pareça, pela própria direção da estatal mostra com riqueza de detalhes uma análise realizada pela Associação dos Engenheiros da Petrobras e divulgada em vídeo sobre as consequências da estratégia de gestão adotada a partir de 2015, com a manipulação de indicadores e de informações para adequação dos objetivos aos interesses dos concorrentes, incluída aí a criação do “mito da Petrobras quebrada”. O que a administração da companhia tem feito, é possível inferir do trabalho da Aepet, parece mais sabotagem.
As estratégias adotadas pela companhia são questionáveis e antinacionais, acusa a Aepet, por “terem como objetivo a privatização desnecessária dos ativos da Petrobras e do petróleo brasileiro, um verdadeiro crime que lesa a pátria em favor de interesses estrangeiros”.
Alguns fatos, diz a associação, fundamentam essa avaliação. “A companhia tem um enorme e promissor projeto a ser desenvolvido, o pré-sal, que desde a sua descoberta é cobiçado pelas multinacionais, mas se autolimita no aproveitamento desse recurso ao estabelecer metas de alavancagem (relação entre a dívida líquida e a geração de caixa) desnecessariamente drásticas. No plano de negócios para o período de 2019 a 2023 a alavancagem foi reduzida para abaixo de 1,5 em 2020, o que represa o investimento médio em 16,8 bilhões de dólares anuais, três vezes menor que o investimento médio feito entre 2009 e 2014, de 48,7 bilhões por ano, em dólares corrigidos para 2018.”
Uma meta de alavancagem de 2,5 poderia, entretanto, ser atingida entre 2020 e 2021 sem vender nenhum ativo, calcula a Aepet, mas os administradores escolheram antecipar a meta de 2020 para 2018 e, depois disso, a reduziram ainda mais, para 1,5 até 2020.
A escolha das metas de alavancagem como indicador estratégico, da meta de 1,5 e do prazo de 2020, reforça a associação, obriga a empresa a limitar investimentos e com isso transfere as oportunidades de desenvolvimento da produção para as petroleiras estrangeiras, ao mesmo tempo que vende ativos para reduzir a dívida.
“Acreditamos que o verdadeiro objetivo é privatizar os rentáveis ativos da Petrobras, reduzir investimentos e alienar o petróleo do pré-sal aos estrangeiros. Trata-se de uma estratégia antinacional para conter o crescimento da Petrobras”, dispara a Aepet. É evidente, diz, que a escolha do indicador de alavancagem, suas metas e prazos são arbitrários. São as consequências do objetivo de privatização, e não o contrário.
“Trata-se de uma falácia, de inversão de causa e efeito, que é repetida muitas vezes.”
Entre 2010 e 2014, prossegue a análise, apesar da elevação dos preços do petróleo, a empresa decidiu manter os preços internos abaixo dos internacionais, mesmo tendo que subsidiar a pequena parcela de derivados que era importada.
Ainda assim o resultado foi a conquista das maiores gerações operacionais de caixa de sua história, de 28 bilhões de dólares em 2010 e de 33 bilhões em 2011.
A partir de 2016, contudo, “estabelece preços acima dos internacionais, perde mercado interno, coloca suas refinarias na ociosidade e mesmo com volumes de produção muito maiores não consegue alcançar as gerações de caixa do passado. Os brasileiros perdem empregos e são sufocados com preços desnecessariamente mais altos. (…) A empresa nem mesmo se defende dos ataques da mídia, que mente descaradamente dizendo que a Petrobras tem uma dívida impagável e que está na bancarrota. A Petrobras deveria exigir direito de resposta imediato, pois conhece seus números melhor do que ninguém e sabe que é tudo mentira”.
Nos últimos dois anos, chama atenção a Aepet, a prática de preços internos mais altos viabilizou a importação de derivados por concorrentes.
Em consequência disso, a estatal perdeu mercado e a ociosidade das suas refinarias chegou a um quarto da capacidade instalada. A exportação de petróleo cru disparou, enquanto a importação de derivados bateu recordes.
O Brasil tornou-se exportador líquido de cerca de 650 mil barris de óleo equivalente por dia em 2018, o que é preocupante, considerando-se o baixo consumo de energia per capita do País e a alta correlação desse indicador com o crescimento econômico e o desenvolvimento humano.
A importação total de diesel aumentou 1,8 vez desde 2015 e a dos Estados Unidos cresceu 3,6 vezes. O diesel importado dos EUA, que em 2015 respondia por 41% do total, em 2017 superou os 80% do montante comprado pelo Brasil no exterior.
“Existe correlação entre o consumo de energia, crescimento econômico e desenvolvimento humano. Precisamos agregar valor ao petróleo, consumir combustíveis e petroquímicos internamente, aumentar a produtividade do nosso trabalho e usar o petróleo, que é um bem público do Brasil para seu desenvolvimento, em favor da maioria dos brasileiros”, alerta o estudo.
A limitação do investimento anual a pouco mais de um terço da média de 48,7 bilhões de dólares anuais registrada entre 2009 e 2014, conforme detalhado acima, “tem como pilar ideológico o mito da Petrobras quebrada, uma falácia amplamente divulgada pela mídia em favor de interesses privados e antinacionais”, dispara a Aepet.
“Tal mito tenta convencer a todos que a estatal está à beira da falência, endividada e não tem capacidade de fazer investimentos, portanto precisaria vender ativos em leilões para cobrir o ‘rombo’. De acordo com essa mentira, a corrupção sofrida pela empresa, somada aos subsídios ao consumidor entre 2010 e 2014, quando ela não fez o repasse integral do aumento do petróleo no mercado internacional aos combustíveis vendidos no Brasil, teria levado a companhia a um estado de crise irreversível.”
As imputações são falsas, demonstra o trabalho da Aepet com análises irrespondíveis das informações econômicas oficiais divulgadas pela própria companhia.
“A verdade é que a Petrobras é uma excepcional geradora de caixa, não está e nunca esteve quebrada, tem potencial para abastecer o mercado interno a preços mais baixos que os internacionais e ainda ser muito lucrativa, além de ter, sim, capacidade para investir no pré-sal.”
Os balanços de 2012 a 2017 analisados pela entidade mostram uma geração operacional de caixa estável, entre 25 bilhões e 27 bilhões de dólares. “Nada abalou a capacidade da companhia de gerar caixa. Nem a corrupção apontada pela Lava Jato, nem os subsídios concedidos aos consumidores brasileiros entre 2010 e 2014, nem a reavaliação contábil dos seus ativos (os “impairments”) feitos entre 2014 e 2017 e, muito menos, a variação do preço internacional do petróleo”, dispara a Aepet.
A empresa não precisava, nem precisa, portanto, vender ativos para reduzir seu nível de endividamento, conforme alegado pela sua administração e pelo governo.
“Ao contrário, na medida em que vende ativos ela reduz sua capacidade de pagamento da dívida no médio prazo e desestrutura sua cadeia produtiva, em prejuízo da geração futura de caixa, além de assumir riscos empresariais desnecessários”, destaca a associação.
O plano de negócios da companhia, entretanto, sob o eufemismo “parcerias e desinvestimentos”, visava vender 34,7 bilhões de dólares em ativos entre 2015 e 2018. O plano vigente, que abrange o período de 2019 a 2023, pretende privatizar 26,9 bilhões de dólares.
O plano de negócios em vigor não priorizou, entretanto, a rolagem da dívida, o que deveria fazer se o seu objetivo fosse evitar a privatização. Ao contrário, foi criado um novo uso chamado “formação de caixa” no montante de 8,1 bilhões de dólares.
A Aepet questiona: “Mas para que a Petrobras precisa aumentar seu caixa? No final de 2016, o caixa da Petrobras era de 21,2 bilhões de dólares e o da ExxonMobil, maior petroleira do mundo e com receita 2,5 vezes maior que a da Petrobras, de apenas 3,65 bilhões”.
A Petrobras tem capacidade de investir na exploração e produção do pré-sal, no refino e nas energias renováveis e em suporte ao desenvolvimento da economia nacional, reitera a Aepet: “Os balanços da companhia são a maior evidência desta realidade.
Analisando os demonstrativos contábeis e financeiros publicados, fica claro que a empresa não tem e nunca teve problemas financeiros. É fácil verificar sua solidez financeira pelo elevado índice de liquidez corrente, sempre acima de 1,5. O que significa dizer que, para cada 1,00 real que a empresa tem de pagar por dívidas, no curto prazo, ela dispõe sempre de mais de 1,50 real”.
A característica de grande geradora de caixa não é admitida, entretanto, pela administração da empresa pública nem pelo governo, embora seja amplamente reconhecida pelas principais instituições financeiras do mundo, a exemplo da Goldman Sachs, que enviou relatório aos seus clientes dizendo que a petroleira brasileira pretende fazer uma distribuição de dividendos no valor total de 40 bilhões de dólares entre 2019 e 2023.
O episódio é revelador da “estratégia corporativa subordinada aos interesses do capital financeiro, com uma administração que prioriza o maior pagamento de dividendos no curto prazo em detrimento dos investimentos e do desenvolvimento tecnológico, em especial os relativos às energias potencialmente renováveis de biocombustíveis, eólica, solar, pequenas centrais hidrelétricas. É também mais uma prova do que estamos alertando há muito tempo: querem privatizar a Petrobras”, disse a esta revista o presidente da Aepet, Felipe Coutinho.
O ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras Guilherme Estrella, líder da equipe que chegou às reservas do pré-sal, analisou a gravidade do processo em curso no pequeno depoimento-aula a seguir: “Somos a 9ª economia mundial e ocupamos o 72º lugar, segundo dados de 2015, em consumo de energia per capita, quesito central da aferição da qualidade de vida de uma sociedade. Como base focal desta anomalia está a imensa desigualdade social decorrente da superconcentração de renda e a inaceitável política tributária e fiscal brasileira que nos leva a estarmos entre os 10 países mais desiguais do planeta. Ao mesmo tempo somos um país não industrializado, pois a ‘indústria’ de transformação corresponde a 11,8% do PIB. Indústria está entre aspas porque o conceito moderno do termo contém a inovação acoplada. Se isto não acontecer, não é indústria. Por exemplo, a nossa ‘indústria’ automobilística é na verdade um serviço de montagem de produtos, na medida em que os seus centros de inovação, pesquisa e desenvolvimento estão em seus países-sede. A raiz histórica desta realidade foi a falta de energia e a não participação nas duas revoluções industriais, resultando num gigantesco país agrícola e extrativista (minérios & madeira), escravagista e não soberano. O pré-sal brasileiro veio resolver esta parada e garantir a segurança energética nacional, base imprescindível para que construamos um projeto nacional desenvolvimentista, autônomo e soberano, ponto de partida para uma sociedade livre, democrática e igualitária, socialmente justa. É, portanto, uma questão essencialmente ética, ideológica. E ideologia é a base da disputa geopolítica mundial, a ter como centro a manutenção da hegemonia capitalista e do sistema financeiro internacional”.
A descoberta do pré-sal, sabe-se, ocorreu no governo Lula, porque o petista impulsionou a petroleira criada em 1953 por Getúlio Vargas em episódio no qual teve papel fundamental seu chefe da Casa Militar, general Ciro do Espírito Santo Cardoso, tio de FHC que, na direção oposta, iniciou a degradação planejada da companhia, obra continuada por Temer, Bolsonaro e militares entreguistas.