Duas mães marcadas pela angústia de não poderem enterrar os próprios filhos
“Eu não tenho coragem. Coragem tinha meu filho. Eu tenho legitimidade”.
(Zuzu Angel)
Neste 27 de março duas mães devem ser lembradas: Zuzu Angel que, em 27 de março de 1998, teve publicado no Diário Oficial da União o seu reconhecimento oficial como vítima da ditadura; e Dona Elza Coqueiro, cujo falecimento aos 97 anos completa hoje um mês e que perdeu dois filhos para a ditadura.
Zuleika Angel Jones, estilista mundialmente conhecida, faleceu no dia 14 de abril de 1976 em um acidente no túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro; desfecho trágico de sua intensa trajetória de luta em busca de notícias acerca do paradeiro de seu filho, Stuart Edgar Angel Jones, desaparecido após sua prisão em 1971.
Desde que o filho foi preso, Zuzu se movimentou incansavelmente, dentro e fora do País, à procura de informações. Zuzu denunciava os bárbaros crimes do Estado brasileiro onde quer que estivesse, com discursos em locais públicos, por meio de sua arte, nos desfiles que promovia, e por meio de audiências com autoridades estadunidenses. A ditadura militar brasileira passou então a monitorar seus passos e ela começou a receber ameaças.
Em 1975, a estilista escreveu uma correspondência com detalhes sobre tais ameaças e a entregou a alguns amigos próximos. No ano seguinte, Chico Buarque compôs em sua homenagem a canção Angélica: “Quem é essa mulher que canta sempre esse estribilho, só queria embalar meu filho…” A sua luta e as ameaças que sofria já eram de amplo conhecimento. No mesmo ano, em 1976, ocorreu a fatalidade, primeiramente documentada como acidente.
Somente em 1996, após esforços da família, foram realizados novos trabalhos periciais, que indicaram imprecisões nas conclusões anteriores acerca do caso. Dois anos depois, a CEMDP assumiu que o óbito de Zuleika configurou um crime cometido pelo Estado brasileiro. Em 2014, a CNV coletou outros documentos, inclusive do Departamento de Estado dos EUA, e ratificou a conclusão de assassinato.
Elza Pereira Coqueiro era dona de casa, mãe de 07 filhos, inclusive Vandick Pereira Coqueiro e Arnóbio Santos Coqueiro Filho, desaparecidos.
Elza nasceu em 04 de agosto de 1922, órfã de mãe com 14 anos, como tantos brasileiros e brasileiras, lutava por melhores condições de vida passando por várias cidades do interior baiano, junto a seus 24 irmãos.
Casou-se em 1947, ainda mudou de cidade algumas vezes com seu marido, os cinco filhos biológicos e dois adotivos, estabelecendo residência definitiva em Jequié, nos anos 60. A partir de 1971, quando Vandick e a esposa, Dianelza, desapareceram na Guerrilha do Araguaia, juntou-se à luta de inúmeras famílias baianas por verdade e justiça.
Duas mães, duas histórias de vida tão diferentes, uma só dor cruel e covardemente causada pelo Estado. Mulheres marcadas pela eterna angústia de terem subtraído de si o direito ancestral de sepultar suas filhas e filhos e de obter respostas sobre suas mortes, mas que nunca desistiram de lutar.
“Para que não se esqueça, para que não se repita”.
Fontes: Relatório Final da CNV e DMV/CEMDP.
Colaboração de Diva Santana e Enize Lopes
P.S. – Em nome das atrocidades que temos publicado diariamente, será realizada em São Paulo, no Ibirapuera, no dia 31.03.2019 (domingo), a I Caminhada do Silêncio pelas vítimas de violência do Estado. Concentração na Praça da Paz (Portão 7), às 16h.