Moro admite que assassinato de Marielle tenha mandantes
Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro disse acreditar na “existência de mandantes” responsáveis por ordenar a execução da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (Psol), morta há exatamente um ano, em 14 de março de 2018.
Anteontem, o policial militar reformado Ronnie Lessa foi preso por suspeita de ser o executor do crime. O carro usado na ação foi dirigido pelo ex-policial Élcio Queiroz, segundo investigação da Polícia Civil fluminense.
“Acredito que essa é uma hipótese probatória bastante provável, e que a investigação não pode ser encerrada antes disso ser confirmado, identificados os mandantes, ou completamente descartada. A impressão que se tem é que existem mandantes”, afirmou Moro ao Valor, em sua primeira entrevista concedida a um veículo impresso desde que assumiu o comando da pasta no governo Jair Bolsonaro.
Moro negou que esteja desapontado com o desempenho do governo em seus quase três meses de vigência – “no mundo real não vejo crise nenhuma” – e fez defesa enfática de Bolsonaro e dos filhos do presidente quando indagado sobre a hipótese de existir algum tipo de relação com os suspeitos de executar Marielle.
“Não existe nenhuma relação entre o presidente e familiares com essas pessoas que cometeram esse crime. Isso sequer é cogitado, não tem nenhuma hipótese nesse sentido.”
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Como o senhor avalia os resultados das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco apresentados até agora?
Sergio Moro: A investigação está nas mãos diretas da Polícia Civil e do Ministério Público Estadual [do Rio de Janeiro]. Houve uma cogitação, no passado, que houvesse uma federalização, mas isso não avançou. Não obstante, ainda depois dos crimes, houve um pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, de uma investigação federal, pela Polícia Federal, para apurar se estava havendo alguma espécie de obstrução das investigações. Essa investigação avançou bastante, ela continua e ela tem contribuído para a melhor elucidação dos fatos no âmbito estadual, e a política é essa, que os fatos sejam completamente revelados. Ontem [terça-feira] foi um passo importante, na prisão dessas pessoas acusadas de serem os executores, mas é preciso chegar nos mandantes. No que a PF e o governo federal puderem contribuir com isso, isso será feito.
Valor: O senhor acredita que esse crime teve mandantes?
Moro: Acredito que essa é uma hipótese probatória bastante provável, e que a investigação não pode ser encerrada antes disso ser confirmado, identificados os mandantes, ou completamente descartada. A impressão que se tem é que existem mandantes.
Valor: Há pontos coincidentes do caso do assassinato de Marielle com o entorno da família Bolsonaro. O que o senhor pensa disso?
Moro: Primeiro, não existe nenhuma relação entre o presidente e familiares com essas pessoas que cometeram esse crime. Isso sequer é cogitado, não tem nenhuma hipótese nesse sentido. Pelo contrário, o que existe é uma aspiração, tanto do governo federal, como do governo estadual [do Rio de Janeiro], para que os fatos sejam esclarecidos.
Valor: E como está a investigação do atentado cometido contra Bolsonaro durante as eleições?
Moro: Esse é um outro crime bastante grave, atentado a faca de um candidato a presidente da República, algo que afetou não só o senhor presidente, a vítima direta, mas que colocou em risco a própria higidez do sistema eleitoral e democrático. Um grave atentado à democracia. Um fato igualmente que tem que ser completamente elucidado. Existe um inquérito agora nas mãos da Polícia Federal e, enquanto a investigação não está concluída, é preciso trabalhar com as duas hipóteses, que ele [Adélio Bispo de Oliveira, autor da facada] agiu sozinho, ou que ele agiu a mando ou incentivado por outras pessoas. Essas duas hipóteses têm de permanecer dentro da perspectiva dos investigadores.
Valor: Bolsonaro sempre deixou claro que não acredita na hipótese de Adélio ter agido sozinho e que o crime não tenha uma motivação política-partidária.
Moro: Foi mostrado ao presidente o que foi feito em termos de investigação, o presidente acolheu, bastante sensato, o conteúdo da investigação e ele mesmo declarou que é preciso aguardar as conclusões das investigações.
Valor: Há uma previsão de quando a investigação será concluída?
Moro: Acho que em alguns meses ela se encerra. Ainda há a necessidade de análise de determinados materiais. Em outras palavras, um fato grave como esse precisa ser investigado exaustivamente, para que sejam examinadas todas as hipóteses probatórias possíveis.
Valor: Qual é a sua avaliação sobre os laudos que afirmam que Adélio sofre de distúrbio psiquiátrico e que, por essa razão, não pode ser responsabilizado?
Moro: Aí entra em um campo do concreto e não me cabe fazer pronunciamento.
Valor: O governo apenas começou e já viveu diversas crises. Há algum desapontamento por ter aceitado o convite para ser ministro?
Moro: No mundo real, não vejo crise nenhuma. Foi montado um governo que optou por evitar uma pratica deletéria do passado, de nominar pessoas por critérios exclusivamente político-partidários, algumas com méritos, mas algumas que não tinham a competência necessária, e algumas ainda com a intenção de arrecadar recursos escusos, como foi revelado amplamente no caso da Operação Lava-Jato. Agora, houve escolhas do presidente para os cargos segundo a avaliação de mérito do presidente, isso foi algo muito positivo, e diminuiu uma fonte passível eventualmente de corrupção, quando eram escolhidas pessoas sem escrúpulos, como ocorreu no passado. Por outro lado, o governo tem pouco mais de dois meses e já foi apresentada proposta consistente para a nova Previdência. Foi apresentada, falando aqui da minha pasta, proposta importante anticrime, diversas ações estão sendo planejadas na área da segurança pública, algumas já foram tomadas. Por exemplo, o isolamento de lideranças da organização criminosa brasileira mais poderosa [Primeiro Comando da Capital, o PCC], ou seja, existem políticas sólidas. No mundo real, eu, particularmente, não vejo nenhuma crise estabelecida. É um governo que começa, e existe uma série de situações que precisam ser construídas, inclusive a relação com o próprio Congresso Nacional.
Valor: O recuo na nomeação da cientista política Ilona Szabó para vaga de suplência em conselho ligado à pasta gerou desgaste político?
Moro: Foi um episódio superdimensionado pela imprensa. Eu tive carta branca para nomear todos os meus assessores, especialmente aqueles com poder executivo, os secretários do ministério, diretor da Polícia Federal, o diretor da Polícia Rodoviária Federal, o diretor do Departamento Penitenciário Nacional. A senhora Szabó foi convidada para este conselho, um conselho consultivo, e embora ela seja uma pessoa muito qualificada, houve uma reação negativa muito forte entre os eleitores do senhor presidente e, diante dessa reação negativa, optou-se por revisar esse convite. Isso foi feito com um pedido de desculpas a ela, mas é algo que pode acontecer no mundo político. Isso significa uma diminuição da independência, da autonomia da pasta? Não, as políticas prosseguem normalmente.
Valor: O presidente pediu diretamente para que ela fosse desconvidada ou foi uma decisão do senhor?
Moro: Houve uma reação negativa muito forte dos eleitores e houve uma solicitação educada do presidente. Mas acho que há um certo exagero na situação, isso significa que não temos mais independência para realizar as políticas do ministério? Não, é natural.
Valor: O mundo político já lhe impôs outro recuo, quando o senhor decidiu fatiar o pacote anticrime e anticorrupção e enviar a proposta de criminalização do caixa dois em um projeto separado.
Moro: Qual foi o governo que apresentou isso no passado? Nenhum. Os esforços do Ministério da Justiça para a aprovação de ambos os projetos vão ser os mesmos. Mas houve uma solicitação do mundo político para que houvesse a apresentação em separado, e se optou pela estratégia de aprovação, de ambos, a apresentação em separado. Mas isso não significa, em nenhum momento, uma desistência em relação a qualquer um dos dois projetos.
Valor: O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sinalizou que a discussão sobre esses projetos não terá prioridade agora.
Moro: O que foi discutido foi a criação de uma comissão especial, dentro do parlamento, para que houvesse uma tramitação célere.
Valor: A investigação sobre Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que também é investigado por sua evolução patrimonial, aumenta a pressão para que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) deixe o Ministério da Justiça?
Moro: Não, a pressão não vem desse lado. Tanto pelo contrário. No governo Bolsonaro, o Coaf foi reforçado. Foi uma proposta do próprio presidente a transferência do Coaf para o Ministério da Justiça. Então essa ideia de voltar o Coaf para o Ministério Economia não é algo que vem do governo. Na verdade, o governo tem permitido, como tem de ser, que o Coaf faça seu trabalho.
Valor: É a oposição que está pleiteando isso?
Moro: Eu vi que havia algumas propostas nesse sentido, de emenda [em um medida provisória que tramita no Congresso]. Particularmente, com todas as atribuições que tem o Ministério da Economia, e com a preocupação do Ministério da Economia mais com questões macroeconômicas e microeconômicas, o melhor lugar para o Coaf estar é o Ministério da Justiça, que ali está trabalhando ao lado de áreas que também estão focadas em questão criminal, de lavagem de dinheiro. Hoje, a forma eficiente de se combater muitos desses crimes é através da investigação da lavagem de dinheiro.
Valor: O senhor acredita que essa crítica do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de que a Receita Federal extrapolou a sua função ao investigá-lo pode respingar politicamente no Coaf?
Moro: O Coaf é um órgão bastante técnico. Não identifico nenhuma ação indevida dele, recentemente ou mesmo no passado. Essa questão da Receita nada tem a ver com o Coaf.
Valor: Mas o que o senhor acha da ação da Receita em relação à investigação envolvendo Gilmar? Moro: Isso não cabe a mim opinar, é tema da Receita Federal. Contribuintes estão sujeitos à fiscalização.
Valor: Independentemente de quem seja?
Moro: Em princípio sim. Agora, têm de ser analisados os detalhes do que aconteceu, mas é algo atinente à pasta da Economia e não à minha.
Valor: Recentemente, o Ministério Público Federal afirmou, em um parecer, que a demarcação de terras indígenas deveria voltar a ser competência do Ministério da Justiça e não da pasta da Agricultura.
Moro: O MPF tem um papel relevante. Nessas opiniões, ele pode discutir questões relativas à legalidade, validade, mas, com todo o respeito a quem fez o parecer, ele ingressou em campo de conveniência e oportunidade. Não cabe ao Ministério Público começar a discutir o que é melhor em termos de política pública. Ele ingressou na área do Poder Executivo e do Poder Legislativo.
Valor: O MPF alegou conflito de interesses nas questões indígenas e nas relacionadas ao agronegócio.
Moro: O trabalho pode ser bem realizado em qualquer lugar. Essa questão gera muitos conflitos com os agricultores, quem sabe o ministério [da Agricultura] possa ser o melhor lugar para mediar esses conflitos. Não existe nenhum problema. O que importa é que órgão funcione, pode vincular onde for.
Valor: Mas o senhor não quer que a demarcação de terra seja uma prerrogativa da sua pasta?
Moro: Não é que eu não queira. É que dentro dessa ideia de focar o trabalho mais em Justiça e Segurança Pública, a opção foi transferir a Funai para outro órgão, até porque, hoje, a população indígena precisa ter oportunidades de desenvolvimento, e essa é uma função mais adequada para uma pasta de cunho social, como o Ministério dos Direitos Humanos. Isso não significa que os índios vão deixar de ter toda a proteção legal.
Valor: Quando era juiz da Lava-Jato, o senhor deu aval para a criação desse fundo bilionário anticorrupção?
Moro: Não, essa foi uma parte em que eu não estava. Mas acho que há um certo exagero na crítica, porque esse dinheiro tem que ser utilizado em projetos no Brasil, tem que se descobrir uma forma de fazer isso. O dinheiro não pode simplesmente voltar para a Petrobras, porque neste caso a Petrobras não pode ser considerada vítima. Valor: O senhor acha a fundação um bom modelo?
Moro: Eu acho que é um modelo a ser considerado, mas podem ser considerados outros modelos também. O ponto fundamental é utilizar esse dinheiro em projetos relevantes no Brasil. Qual o formato a ser utilizado? Não pode ficar com a Petrobras, isso que está causando alguma confusão. Nesse caso, é impossível voltar para a Petrobras, porque violaria o acordo com os Estados Unidos.
Valor: E esse dinheiro não pode ir para o Tesouro?
Moro: Tem toda uma discussão para ser levada em conta. Tem que respeitar o acordo fechado com os Estados Unidos, não sei se essa situação, de voltar ao Tesouro, está contemplada. O que foi acordado é que os recursos seriam utilizados em projetos de relevância pública e social. Transferindo-os ao Tesouro, isso vai gerar um certo problema em verificar como os recursos foram aplicados na prática, se foi misturado com todo o restante do Orçamento da União, além do que existe a questão do teto dos gastos, que poderia impossibilitar a utilização desses recursos. É por isso que eu acredito que houve essa opção por uma fundação privada. Se esse é o formato é adequado ou não, é uma questão diferente.
Valor: Este ano haverá sucessão no comando da Procuradoria-Geral da República. O senhor é a favor de que o novo PGR seja escolhido através da lista tríplice?
Moro: Vou conversar com o presidente sobre isso oportunamente, quando houver lista tríplice. Acho que a iniciativa do Ministério Público de fazer essa lista é bastante louvável.
Valor: O que a gente pode esperar da “Lava-Jato da Educação”?
Moro: O que acontecia às vezes no passado é que surgia uma investigação de um possível crime contra a administração pública e a própria investigação encontrava resistência em obter informação nos órgãos públicos envolvidos. Portanto, houve uma atitude louvável do MEC que se dispôs a contribuir com investigações sobre eventuais desvios ocorridos na pasta, providenciando voluntariamente dados e informações. Ao invés do órgão se fechar, resistir a investigações, ele se presta a colaborar ativamente.
Valor: Mas há algum inquérito já instaurado com essa finalidade?
Moro: Eu não posso falar de investigações em andamento.
Valor: Existe algum plano para punir de maneira mais efetiva policiais suspeitos de corrupção?
Moro: Existe um projeto em andamento. Essas questões têm de ser muito bem investigadas, apuradas e reprimidas, especialmente em caso policial, porque a polícia tem como função combater o crime. Estamos chamando o projeto de “Serpico” [uma referência a um filme estrelado por Al Pacino].
Valor: Como vai funcionar isso?
Moro: A ideia é primeiro fazer um diagnóstico, que nós não temos. Não é que o governo atual não tem, nunca tivemos, não existia. E a partir daí vamos traçar um projeto-modelo de corregedoria e controle interno que seja apto a fazer sindicância patrimonial.
Valor: O senhor vai abrir a caixa-preta da polícia?
Moro: Eu não colocaria nestes termos. O problema da corrupção existe em vários setores da administração pública e não somos ingênuos em pensar que também não é uma questão que afeta pontualmente alguns policiais.
Valor: O massacre ocorrido ontem em Suzano pode levar a questionamentos sobre o decreto para facilitar o acesso a armas assinado por Bolsonaro em janeiro?
Moro: Não temos ainda os dados necessários para emitir juízo de valor a esse respeito. É uma questão trágica. Espero que os fatos sejam esclarecidos, mas a apuração ainda é incipiente.
Valor: O STF sinalizou ontem que a competência para apurar crimes conexos ao de caixa dois será da Justiça Eleitoral. Qual sua avaliação?
Moro: O nosso entendimento é que a Justiça Eleitoral, com todo o respeito, não está adequadamente preparada para investigar e processar crimes complexos de corrupção e lavagem de dinheiro. Nesses casos, é melhor a separação dos processos e o envio à Justiça Federal.
Do Valor