Os militares estão vergonhosamente calados diante do desmonte da Petrobras
É surpreendente o silêncio, quase sempre interpretado como aprovação, das Forças Armadas diante da perda acelerada da soberania do País em várias áreas, com destaque para a desverticalização e o enfraquecimento da Petrobras promovidos pelo seu acionista controlador, a União e representantes na empresa. Subordinados à Constituição Federal, que estabelece no artigo 177 o monopólio da União na pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e na refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, os militares foram fundamentais, entretanto, para a criação desta que é a maior e a melhor empresa brasileira, em 1953 pelo presidente Getúlio Vargas, com papel decisivo do chefe da casa militar general Ciro do Espírito Santo Cardoso, tio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
A desverticalização da Petrobras, isto é, a privatização (muitas vezes acompanhada de desnacionalização) das suas empresas de refino, transporte e comercialização e que visa restringi-la unicamente às atividades de exploração e produção quebra a coluna vertebral da cadeia produtiva de óleo e gás no País e é também um golpe de morte na indústria, conclui-se da pesquisa dos economistas Antônio Carlos Diegues e Caroline Gut Rossi, da Universidade Federal de São Carlos. Quase 70% do crescimento do valor da transformação industrial entre 1996 e 2010, mostram os pesquisadores, devem-se a apenas dois grupos de setores, os intensivos em recursos naturais e os intensivos em escala e 57% resultam da expansão do complexo petroleiro.
Sem a Petrobras verticalizada no centro da cadeia produtiva de óleo e gás não há portanto indústria e este é um assunto capital para os militares, pois “uma força armada que não tem indústria, vai ficar dependente de forças armadas de países com indústria”, alertou o professor da Universidade Federal do Ceará Manuel Domingos Neto em debate no site SOS Brasil Soberano. Nesse aspecto o Brasil configura um caso exótico, pois já teve indústria que possibilitou a criação e o desenvolvimento da Embraer, terceira maior empresa de aviação do mundo, vendida à Boeing com anuência do governo atual, que abriu mão do poder de veto. A transação incluiu setores estratégicos decisivos para o segmento de aviação militar da companhia, de excelência mundial.
A perplexidade diante da perda da Embraer consentida por governo e militares surge também diante do fato de que amplos setores das Forças Armadas parecem não perceber que o petróleo é “um ativo estratégico para a defesa do Brasil e o desenvolvimento tecnológico e econômico da Nação assim como as refinarias, os dutos, os terminais e a distribuidora da Petrobras são indispensáveis para garantir a segurança nacional”, dispara a Associação dos Engenheiros da Petrobras no trabalho intitulado “Importância do Refino, do Transporte e da Distribuição do Petróleo e de seus Derivados para o Brasil e a Petrobras”.
A produção de derivados de petróleo, prossegue a Aepet, além de crucial para viabilizar a cadeia de valor das indústrias petroquímicas, de fertilizantes e de transformação “tem papel-chave na geopolítica internacional e é fundamental para o complexo industrial-militar de defesa”. Ignorar a essencialidade desse recurso no desenvolvimento soberano e na segurança energética de um país, prossegue a entidade, “é postura inconsequente que pode implicar na dependência externa de combustíveis, provocar insegurança para o investimento produtivo e deteriorar a cadeia de valor do setor, comprometendo o progresso econômico e do bem-estar social”.
Quanto menor o grau de verticalização e integração, continua a Aepet, maior a exposição de uma petroleira à choques de oferta que derrubam o preço e destroem a lucratividade da atividade de exploração e produção. “Foi o que aconteceu nos anos de 2015, 2016 e no primeiro semestre de 2017. Durante esses 30 meses de preços moderados do petróleo, os balanços trimestrais da indústria internacional apresentaram prejuízos bilionários do segmento de exploração e produção enquanto os lucros extraordinários do refino, transporte e comercialização garantiram a resistência e capacidade de adaptação das petroleiras integradas”, destaca a Aepet.
A privatização de refinarias, terminais, dutos e distribuidora, prossegue a Associação, traz prejuízos muito mais graves à capacidade de adaptação e sobrevivência da Petrobras, na conjuntura de preços relativamente moderados de petróleo do que presumíveis benefícios pela redução dos gastos com juros decorrentes da antecipação da redução da sua dívida. Fazer caixa com rapidez para baixar a dívida é, entretanto, a justificativa do governo para o desmonte e eventual venda da própria empresa, como defendeu recentemente com entusiasmo o próprio presidente da companhia, Roberto Castello Branco.
O desmembramento da petroleira é um retrocesso histórico, econômico e político imensurável, mostra a saga da sua constituição referida neste trecho do livro inédito “Em defesa da Indústria Integrada: A Petrobras no Refino e na Distribuição”, de Claudio Oliveira, transcrito no trabalho da Aepet.
“Até a criação do Conselho Nacional de Petróleo pelo Decreto-Lei n° 395, de 29 de abril de 1938, os combustíveis no Brasil dependiam da avaliação de oportunidade e da lucratividade pelas petroleiras estrangeiras. Em abril de 1938, o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro reassumiu o cargo de chefe do Estado Maior do Exército. Um Estado Maior deve fazer planos de guerra, por mais impossíveis que sejam, para que em caso de necessidade, estes já estejam prontos. Descobriu que o órgão não tinha plano algum. Decepcionado, pegou um papel e rabiscou o que queria: um plano de mobilização, de transporte, de informações, etc. Tudo para já. Uma semana depois seu subordinado, general Júlio Caetano Horta Barbosa, trouxe-lhe a informação: o Brasil não tinha gasolina sequer para oito dias de guerra. Abismado, Gois Monteiro convocou o general Horta Barbosa para baterem à porta do presidente Getúlio Vargas.
Denunciaram o caso e naquela reunião decidiu-se a criação de um novo órgão, o Conselho Nacional do Petróleo. Para seu primeiro chefe foi designado Horta Barbosa, veterano da Guerra de Canudos. Ele realizou estudos, visitou a primeira refinaria estatal sul-americana, no Uruguai. E depois de quinze anos de muita luta política surgiu uma empresa estatal que virtualmente monopolizava o petróleo no Brasil. Discute-se a Petrobras, mas é importante não esquecer o que deu origem à Petrobras: necessidades militares e estratégicas, mais do que econômicas.”