Retrocesso: alunos de SP perdem alimentação balanceada e passam a receber arroz com farofa

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O Governo de São Paulo modificou a merenda servida aos alunos da rede estadual e, contrariando a preferência que vinha sendo dada a alimentos in natura, voltou a comprar produtos processados que antes não estavam no cardápio.

Baseados em receitas típicas do estado de São Paulo, menus feitos pela chef Janaina Rueda foram substituídos sem aviso no final do ano passado por refeições que têm gerado críticas por falta de nutrientes ou pela repetição de alimentos.

No último dia 18, por exemplo, a mãe de um aluno da escola Caetano de Campos, na Aclimação, reclamou: seu filho havia recebido de merenda arroz com farofa.

A descrição bate com o cardápio daquela data publicado no Diário Oficial: arroz com ervilha e farofa —quase o mesmo de uma segunda-feira de outubro, substituindo-se só ervilha por lentilha.

Com a redução das variações, escolas tiveram em dezembro, por exemplo, sardinha em lata por três vezes na semana, como ocorreu na zona leste. Ou três vezes macarrão, como no caso dos alunos de Guarulhos e do centro e norte da capital no início de fevereiro.

As mudanças na merenda começaram no final do ano passado, na gestão Márcio França (PSB), e continuaram sob o governo João Doria (PSDB). A rede estadual tem 3,7 milhões de alunos em 5.400 escolas.

Desde então, já foram comprados itens como almôndegas ao molho pronto congeladas, houve edital para frango com molho rosado congelado e, no final de fevereiro, a Secretaria da Educação abriu processo de tomada de preços para aquisição de molho de tomate em pó.

A compra vai contra o Guia Alimentar para a População Brasileira, referência nacional elaborada pelo Ministério da Saúde. A publicação orienta que se limite o consumo de alimentos processados ao mínimo e que se evite os ultraprocessados —aqueles com muitos ingredientes, principalmente os de nomes pouco familiares.

As almôndegas mistas com molho pronto congeladas, por exemplo, têm componentes como estabilizante tripolifosfato de sódio e antioxidante eritorbato de sódio.

Os produtos industrializados também vão na contramão dos cardápios que haviam sido feitos por Janaina Rueda no âmbito do projeto Cozinheiros da Educação.

Dona do restaurante Dona Onça, no centro de São Paulo, ela foi convidada em 2016, na gestão Geraldo Alckmin (PSDB), a reformular em caráter voluntário os menus da rede estadual com ingredientes que as escolas já recebiam.

O projeto foi implantado em cerca de 2.000 colégios da capital e da Grande São Paulo.

Em linhas gerais, ele previa a substituição de carnes e outros alimentos enlatados pelos mesmos produtos in natura; o treinamento das cozinheiras das escolas, que a própria Janaina ministrava às terças-feiras, também voluntariamente; e a elaboração de menus inspirados na tradição culinária do estado.

Entre eles estavam, por exemplo, carne de panela, peixada, feijoada e macarrão ao sugo com moela de frango.

Além de retirar as receitas pensadas pela chef, a Secretaria da Educação também suspendeu, desde o segundo semestre do ano passado, os treinamentos das merendeiras. Agora, promete abrir uma chamada pública para que nomes da gastronomia paulista voltem a trabalhar em parceria com a rede.

Alguns dos preparos que constam do cardápio atual, que substituiu o de Janaina, foram elencados pelo Centro de Serviços de Nutrição da secretaria em uma publicação endereçada às escolas.

Chama a atenção a profusão de receitas com ervilha. São 9 de um total de 29, dos mais prosaicos purê e vinagrete de ervilha até um bolo de ervilha com recheio de chocolate.

Em comunicado que informa sobre as novas receitas, datado de 31 de janeiro, o Departamento de Alimentação e Assistência ao Aluno pede que as escolas enviem relatos e afirma: “sabemos da baixa aceitação de alguns produtos e estamos trabalhando para favorecer em todos os sentidos”.

Em seguida, declara que novos itens estavam sendo licitados “para aumentar o leque de opções de preparações em todos os cardápios”.

A pedido da Folha, a nutricionista Ana Paula Bortoletto Martins analisou os cardápios de fevereiro deste ano e os do ano passado e comparou também as receitas anteriores do Cozinheiros da Educação com as de 2019.

Pesquisadora científica do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP e integrante do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), ela avaliou como mais adequadas as receitas anteriores, por se basearem primordialmente em alimentos in natura.

“As receitas atuais têm uma monotonia maior. Nas de antes, havia maior diversidade, e o preparo também era mais detalhado”, afirma.

Ela critica o uso de tempero pronto de cebola com alho nos preparos de 2019 e lembra a utilização dos dois alimentos in natura na versão anterior do Cozinheiros da Educação. “Se as merendeiras já foram treinadas por uma pessoa super experiente, não faz sentido retroceder e oferecer tempero pronto”, disse.

Para garantir oferta diversificada nas escolas, afirma, duas coisas são fundamentais: proximidade com o produtor, para garantir o fornecimento de alimentos crus, e cozinha equipada com equipamentos que permitam a armazenagem e o congelamento de itens saudáveis. Ultraprocessados como tomate em pó, afirma, devem ser banidos por conter sódio em excesso, entre outros problemas.

O médico Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), afirma que a escola tem um papel primordial de educação nutricional. “As crianças, principalmente de baixa renda, estão comendo mais, mas não melhor, o que favorece a obesidade.” Para ajudar nessa educação, diz, privilegiar o alimento in natura é fundamental.

Ele avalia que, com refeições com apenas arroz com ervilha e farofa, não se supre a necessidade proteica de crianças em fase de desenvolvimento.

A Secretaria da Educação do governo João Doria (PSDB) prometeu fazer até abril uma chamada pública para que mais chefs possam trabalhar no cardápio da merenda.

“Mudou o governo, muda a equipe e tudo sofre um tipo de ajuste”, afirmou o secretário em exercício Haroldo Corrêa Rocha sobre a interrupção dos menus do projeto Cozinheiros da Educação, que ele chamou de “fantástico” por proporcionar uma alimentação saudável e ajudar a formar novos hábitos alimentares.

“Como a experiência foi bem sucedida, vamos ampliá-la para ter ainda mais gente da culinária paulista”, disse.

Ele afirma que a prioridade ainda é o alimento in natura, mas ele pode ser substituído em caso de problemas com fornecedores, como ocorreu com frigoríficos no caso da carne —o que motivou a compra das almôndegas.

No caso da refeição com arroz e farofa, afirmou que a proteína estava na ervilha que vinha junto com o arroz, mas que queixas pontuais são rotina, e o cardápio se readapta a elas. Segundo ele, o menu faz parte da proposta de servir refeições sem carne às segundas-feiras.

Disse o mesmo da circular que mencionou a “baixa aceitação” de alguns produtos. “Não foi desleixo nem precarização da alimentação”, disse. “Todas as reclamações fazem a equipe se mover.”

Ele disse que a profusão de receitas com ervilha se deve à dinâmica do cardápio e afirmou que a cotação de tomate em pó foi apenas cogitada em documento interno da secretaria, mas não haverá compra. “Molho de tomate caudaloso é muito mais gostoso”, disse.

Em 2017, quando estava na prefeitura, Doria chegou a defender a adoção na merenda de uma farinha preparada com uma combinação de alimentos, a farinata —ele voltou atrás após as críticas.

A gestão Márcio França (PSB) foi procurada, mas não respondeu à reportagem.

Da FSP