Versão oficial: “legítima defesa”. A verdade após 41 anos: chacina!
Em 29 de março de 1972, ocorreu o episódio que ficou conhecido como Chacina de Quintino, na zona norte do Rio de Janeiro, que vitimou três integrantes da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), Antônio Marcos Pinto de Oliveira, Lígia Maria Salgado Nóbrega e Maria Regina Lobo Leite de Figueiredo, após uma ação conjunta do DOI-CODI, do DOPS e da Polícia Militar. A versão oficial tratou o caso como “legítima defesa” em que os agentes de segurança teriam sido recebidos a tiros ao invadirem o “aparelho subversivo” e, já no interior da casa, teriam encontrado os corpos das vítimas.
No entanto, em 2013, a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio) pôde desconstruir essa versão. Durante uma diligência ao local, a CEV-Rio coletou depoimentos de vizinhos que estiveram presentes naquele momento e, segundo eles, os agentes chegaram à vila durante a tarde, permanecendo escondidos no terreno em frente à vila. Naquela noite, os moradores foram informados para que não saíssem de suas casas e, em seguida, os agentes iniciaram a ação. Além desses depoimentos, a CEV-Rio apresentou os documentos utilizados no decorrer da investigação em que foi constatado que não havia vestígios de pólvora nas mãos das vítimas; a partir disso, o núcleo de perícia da Comissão Nacional da Verdade (CNV) confirmou que se tratou de uma execução, ou seja, desconstruindo a versão oficial de que teria ocorrido troca de tiros entre os agentes e as vítimas.
Cumpre destacar, que Wilton Ferreira costumava ser relacionado como a quarta vítima da Chacina de Quintino, porém a CEV-Rio comprovou que seu assassinato ocorreu em local próximo na mesma noite. Wilton cuidava de uma garagem em Cavalcanti, local em que a organização VAR-Palmares mantinha uma oficina mecânica; não era vinculado à militância política e fora recrutado para a função por James Allen Luz – militante que conseguiu fugir da ação das forças de segurança na casa em Quintino.
Segundo a CEV-Rio, a morte de Wilton Ferreira foi associada à Chacina de Quintino porque seu corpo fora transferido ao Instituto Médico Legal (IML) junto às outras vítimas. No dia seguinte à chacina, o DOPS coletou as impressões digitais dos quatro cadáveres transferidos ao IML; dois homens e duas mulheres – o que provocou o equivocado entendimento de que Wilton estava junto aos demais no cerco à casa em Quintino. Uma importante testemunha foi ouvida pela comissão, Hélio da Silva, integrante da VAR-Palmares, que relatou ter indicado o endereço da oficina durante uma sessão de tortura no DOI-CODI a fim de não denunciar o local do “aparelho” em que os companheiros estavam. Afirmou: “Eu não sabia que o Wilton estava morando lá. Quando a polícia chegou, com o barulho, Wilton veio abrir e recebeu logo uma disparada de tiros, caindo morto”.
Na semana seguinte, no dia 06 de abril de 1972, o coronel Adyr Fiúza de Castro cumprimentou a equipe de agentes que atuou na operação que resultou na morte de quatro pessoas; parabenizando-os pelos “êxitos alcançados na semana em curso”.
O episódio da Chacina de Quintino reflete outras tantas ações violentas organizadas pelos agentes da ditadura militar brasileira, além de corroborar o fato de que as graves violações de direitos humanos foram sistematicamente planejadas e praticadas durante esse período, caindo por terra as justificativas de “excessos individuais” e as versões oficiais apresentadas à época.
“Para que não se esqueça, para que não se repita”.
Fonte: Relatório Final da CEV-Rio.
Colaboração de Fernanda Abreu
P.S. – Em nome das atrocidades que temos publicado diariamente, será realizada em São Paulo, no Ibirapuera, no dia 31.03.2019 (domingo), a I Caminhada do Silêncio pelas vítimas de violência do Estado. Concentração na Praça da Paz (Portão 7), às 16:00 horas.