Jornalista mexicana diz que era Trump converteu toda notícia em telenovela

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Jornalista, bailarina e torcedora da Mangueira, a mexicana Alma Guillermoprieto, 69, começou a entrevista, por telefone, comentando o mais recente desfile da escola de samba carioca, vencedora do Carnaval de 2019.

“Foi um desfile maravilhoso por sua valentia ao tratar de modo politizado a história dos negros, indígenas e mulheres do Brasil, num momento tão oportuno. Ainda assim, achei que, do ponto de vista da tradição visual, tenha sido um desfile um pouco diferente da tradição mangueirense.”

Se alguém está se perguntando porque esta mulher, nascida em Guadalajara, no México, que cresceu nos EUA, escreve boa parte de sua obra em inglês e que, nos últimos anos, se radicou em Bogotá, sabe tanto sobre a Mangueira, a resposta vem num português cheio de sotaque, mas gramaticalmente perfeito.

“Eu vivi um ano dentro da escola de samba, no Rio. Queria escrever sobre a Mangueira e não havia outro modo de fazê-lo do que entrando aí e convivendo com as pessoas.” Além da obra “Samba” (1990), que resultou dessa experiência, ela conta ter virado “a fotógrafa da Mangueira”. Naquela época, conta, “ninguém tinha celular, então começaram a me pedir fotos. Eu tirava, revelava e distribuía, era uma troca muito carinhosa. Também aprendi a coser fantasias, desfilei, foi inesquecível”.

Guillermoprieto, a atração deste sábado no Festival Serrote, em São Paulo, é uma das principais jornalistas da América Latina. Ganhou, entre outros prêmios, o Maria Moors Cabot (1990) e o Princesa de Asturias (2018).

No início, queria ser bailarina, e se dedicou com afinco à dança até descobrir o jornalismo. Escreveu para o Guardian, para o Washington Post, foi editora da Newsweek, e segue trabalhando para a New Yorker.

Guillermoprieto é testemunha ocular de vários momentos essenciais da história recente da América Latina, tendo coberto a Revolução Sandinista na Nicarágua (iniciada em 1979), os conflitos com a guerrilha e o narcotráfico na Colômbia, o derramamento de sangue deixado pelo Sendero Luminoso no Peru, além de outros episódios.

Quando perguntada sobre seu principal furo de reportagem, ela não duvida em destacar a descoberta do Massacre de El Mozote, quando o Exército salvadorenho matou cerca de 900 civis em 1981.

“Não esquecerei jamais aquelas imagens. A partir de então passei a me preocupar mais com o processo narrativo, em como ele deve ser claro como uma visão de uma cena como aquela. Não se pode contar as coisas com quaisquer palavras. E também passei a valorizar o trabalho de edição, que melhora e aproxima o leitor do que é narrado, porque aponta vazios que você não contou, detalhes que você não valorizou e que fazem diferença”.

Sobre o jornalismo dos dias de hoje, Guillermoprieto lamenta a crise da indústria que “foi minando esse entorno editorial que melhorava o seu trabalho, os checadores, os bons editores, o tempo dedicado a um trabalho.” Por outro lado, celebra a velocidade e o alcance que a leitura vem ganhando com a internet.

“Também espero que, com essas mudanças, desapareça também o machismo que há em redações, e eu senti isso sendo editora. Quando é uma mulher que manda, a dificuldade de fazer um homem mexer num texto, corrigi-lo, melhora-lo, é imensa. Espero que as novas gerações não tenham de lidar com isso, pois é terrível.”

Há mais de 30 anos sem ir ao Brasil, Guillermoprieto quer entender o novo momento do país. “Bolsonaro é parte de um fenômeno mundial, e sem Trump não existiria Bolsonaro. O que eu não compreendo ainda são as raízes e as fontes dessa enorme raiva que me parece que tomou conta de uma grande proporção do mundo.”

Para parte de suas indagações, crê ter encontrado a resposta. “A era Trump converteu toda notícia em telenovela, e não sei como podemos sair disso. Por exemplo, o dia em que abro a página do jornal e não aparece Trump dizendo algo escandaloso, eu sinto uma pequena desilusão, porque é minha dose de drama do dia, e creio que isso contaminou a cobertura jornalística em seu desejo de captar o público. Devemos refletir sobre isso.”

Da FSP