Juiz anula concurso de escola militar que trapaceou para ajudar filhos de militares

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O juiz da 1ª Vara Federal de Duque de Caxias, Márcio Santoro Rocha, anulou o segundo concurso para o ingresso da primeira turma no Colégio Militar Percy Geraldo Bolsonaro, que leva o nome do pai do presidente eleito. Dessa vez, a Justiça Federal entendeu que a Polícia Militar privilegiou os filhos de militares que fizeram a primeira prova pois 21 das 50 questões foram repetidas. O magistrado chegou a definir a concorrência como “fake”.

“O Estado do RJ, contudo, ao repetir no novo concurso as questões daquele concurso suspenso, (…) criou uma vantagem competitiva imoral para aqueles que fizeram a primeira prova (ou seja, os filhos e dependentes de policiais militares e bombeiros militares)”, escreveu o juiz federal na sentença, que completa. “Em síntese, a ampla concorrência nesse novo concurso foi, usando uma palavra popular nesses dias, fake”.

As 21 questões repetidas só eram conhecidas por filhos de militares, já que só eles puderam fazer o primeiro concurso e também porque esta prova havia sido publicada no Boletim da Polícia Militar, que apenas integrantes da corporação têm acesso.

O colégio, gerido pela PM e financiado nos dois primeiros anos pela Prefeitura de Duque de Caxias, foi inaugurado em dezembro com a presença do governador Wilson Witzel e do presidente Jair Bolsonaro. No entanto, os Ministérios Públicos Estadual e Federal pediram a anulação do primeiro concurso por conta da reserva de  60% para filhos de PM, 30% para órfãos de policiais e 10% para filhos de Bombeiros.

Como justificativa, alegaram que a prefeitura de Caxias tem problemas em sua rede. Na decisão, o juiz citou a carência de investimento nas escolas já existentes, com atrasos nos pagamentos de salários de professores, goteiras e déficit de vagas em creches e pré-escolas, atribuições prioritárias do município. O custo anual do Colégio da PM para 60 alunos é, segundo o prefeito Washington Reis, de R$ 390 mil.

Quando a lista dos aprovados no primeiro concurso foi divulgada, o Estado já havia sido notificada de que o edital havia sido suspenso pela Justiça. Por isso, o MPF se reuniu com as famílias e ficou decidido que esses adolescentes seriam remanejados para outros colégios da PM, em Niterói e Campo Grande. O pedido foi feito à Justiça, que acatou.

A PM, a Procuradoria Geral do Estado e o comandante do Colégio da PM também chegaram a firmar, no último dia 18, um Protocolo de Intenções com o MPF desistindo da escola.

De acordo com o documento, assinado pelo chefe de Estado Maior da PM, coronel Márcio Pereira Basílio, o Estado se comprometia com cinco itens, como “suspender o processo seletivo” e “desocupar definitivamente o imóvel, abster-se de utilizar mobiliário, mão de obra ou qualquer outro recurso físico ou humano disponibilizado pelo município de Duque de Caxias”.

No entanto, o Secretário estadual de Polícia Militar, coronel Rogério Figueiredo de Lacerda, enviou ofício quatro dias depois voltando atrás do combinado. No dia 24, a prova com as 21 questões repetidas foi aplicada.

— Eles assinaram e disseram que fariam o que foi combinado. Saíram daqui e comunicaram ao governador, que mandou cancelar o protocolo. Depois disso, fizeram a prova com conteúdo idêntico à anterior. Com isso, o estado quis novamente beneficiar os filhos de militares. Essa prova só foi divulgada no boletim da PM. A tentativa era criar uma narrativa para dizer que os colégios da PM não são para qualquer um. O estado não tem agido de forma correta — afirmou a procuradora do MPF Renata Baptista.

Na decisão da suspensão do segundo concurso, o juiz afirmou que “os fatos causam imensa perplexidade”. No entendimento de Márcio Santoro Rocha, a primeira decisão de abrir as vagas para ampla concorrência foi desrespeitada pela vantagem obtida pelos filhos de policiais militares.

O Estado está proibido pela Justiça de divulgar os resultados da segunda prova, sob pena de multa de R$ 100 mil em caso de descumprimento. O juiz também determinou um prazo de 72 horas para explicar providências administrativas que pretende tomar para apurar as responsabilidades.

A Secretaria estadual de Polícia Militar informou à reportagem que a “corregedoria instaurou procedimento apuratório para verificar os fatos narrados na decisão do juiz e a Assessoria Jurídica acompanhará os trâmites judiciais”.

De O Globo