Madrasta e pai são condenados por morte de menino Bernardo
O Conselho de Sentença do Tribunal do Júri condenou nesta sexta-feira (15) os quatro acusados pela morte do menino Bernardo Uglione Boldrini, em abril de 2014. Após cerca de 50 horas de julgamento popular, em cinco dias, a sentença foi proferida pela juíza Sucilene Engler Werle por volta das 19h no Foro de Três Passos, no Noroeste do Rio Grande do Sul.
- Graciele Ugulini, madrasta de Bernardo, teve a pena mais alta: 34 anos e sete meses de reclusão em regime inicialmente fechado, por homicídio quadruplamente qualificado e ocultação de cadáver. Ela não poderá recorrer em liberdade.
- Leandro Boldrini, pai da criança, recebeu 33 anos e oito meses de prisão por homicídio doloso quadruplamente qualificado, ocultação de cadáver e falsidade ideológica.
- Edelvânia Wirganovicz, amiga de Graciele, foi condenada a 23 anos por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver.
- Evandro Wirganovicz, irmão de Edelvânia, pegou nove anos e seis meses em regime semiaberto por homicídio simples e ocultação de cadáver.
Cabe recurso (entenda abaixo). Os quatro já estavam presos e retornariam às penitenciárias após o julgamento.
- Bernardo foi morto no dia 4 de abril de 2014, e enterrado em uma cova cavada à mão.
- O menino morava com o pai, Leandro Boldrini, e a madrasta, Graciele Ugulini.
- O corpo foi encontrado na noite de 14 de abril de 2014. Leandro, Graciele e Edelvânia Wirganovicz, amiga de Graciele, foram presos no dia.
- A investigação apontou superdosagem do medicamento Midazolam como a causa. Os três foram indiciados.
- A polícia divulgou vídeos de brigas entre Bernardo, Leandro e Graciele, e também conversas de familiares sobre o crime.
- A denúncia do Ministério Público apontou que Graciele ministrou o remédio, com ajuda de Edelvânia. Leandro foi apontado como mentor e Evandro, como cúmplice.
- Já na condição de réus, Leandro, Graciele e Edelvânia e Evandro foram pronunciados ao Tribunal do Júri.
As partes podem recorrer da decisão, porém, o recurso não poderá passar uma condenação para absolvição e vice-versa. Para isso, seria necessário um novo julgamento popular.
Os desembargadores, que julgam os recursos, não podem reformar o entendimento do Tribunal do Júri, que é soberano, mas podem modificar a pena aplicada pela juíza. Também pode haver pedido de anulação do Júri. Se ninguém recorrer, em cinco dias a decisão será definitiva.
O Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, que define se os réus são culpados ou inocentes, é formado por sete jurados, escolhidos dentre um grupo de 25 pessoas da comunidade já convocadas pela Justiça. No caso Bernardo, a avaliação coube a cinco homens e duas mulheres.
A partir da decisão dos jurados, a juíza que preside o Júri é quem aplica a pena e faz a leitura da sentença.
Foram cerca de 50 horas de sessões em cinco dias exaustivos para os envolvidos no julgamento, principalmente para testemunhas e jurados, que passaram a semana toda em um hotel, sem comunicação e acesso a notícias.
Nos últimos dias, houve debate entre defesa e acusação, os quatro réus foram interrogados e 11 testemunhas foram ouvidas – cinco arroladas pela acusação e sete arroladas pela defesa de Leandro Boldrini (uma delas falou tanto pela defesa quanto pela acusação).
A semana começou com a oitiva de testemunhas. No primeiro dia, as delegadas Caroline Bamberg Machado e Cristiane de Moura Baucks, representando a acusação, deram relatos sobre a investigação policial da morte do menino.
Na terça-feira (12), outras seis testemunhas foram ouvidas. A primeira foi Juçara Marques Ribeiro Petry, que foi vizinha de Bernardo. Ele costumava passar dias na casa dela, a quem se referia carinhosamente como “Tia Ju”. Segundo ela, a criança era negligenciada pela família.
A psicóloga que tratou Bernardo, Ariane Schmitt, corroborou o depoimento de Juçara. Definiu o pai Leandro como “pouquíssimo envolvido, tangencial, periférico, sem vínculo, sem empatia com a criança”.
Testemunha de defesa, Lore Heller, que trabalhou na casa de Leandro enquanto ele vivia com Odilaine, disse que Boldrini era um bom pai.
A técnica de enfermagem Marlise Cecília Henz, que trabalhava diretamente com o pai de Bernardo no hospital e testemunhou pela defesa, classificou Leandro como um homem simples e Graciele uma mulher vaidosa. Marlise acrescentou que não sabia das histórias de que Bernardo era maltratado.
As últimas três testemunhas da defesa de Boldrini prestaram depoimento na quarta-feira (13). Uma delas foi um perito criminal grafotécnico aposentado contratado pelos advogados para analisar a rubrica que aparece na receita usada para comprar o Midazolam com rubricas de Leandro. A testemunha usou um telão para exibir imagens comparativas e defender que a receita não teria sido assinada pelo réu.
O Instituto Geral de Perícias (IGP) do Rio Grande do Sul emitiu um laudo de análise inconclusiva. Segundo o órgão do governo do estado, não era possível determinar a autoria do traço.
Também na quarta-feira, a juíza deu início à fase dos interrogatórios dos réus. Boldrini foi o primeiro a ser ouvido. Ele negou as acusações, atribuiu o assassinato do filho a sua mulher Graciele Ugulini e a Edelvânia Wirganovicz e argumentou que só ficou sabendo da morte de Bernardo quando foi avisado pela polícia, no momento em que foi preso.
No dia seguinte, os demais réus foram ouvidos. Graciele disse que a morte do enteado foi “acidental” e que o menino teria tomado os medicamentos por conta própria. Ela assumiu ter enterrado o corpo, por desespero, segundo ela, junto com a amiga Edelvânia a quem teria implorado ajuda. A ré inocentou Evandro e Leandro, dizendo que a rubrica que seria do médico na receita usada para comprar o medicamento foi, na verdade, uma imitação feita por ela.
Edelvânia também disse não ter envolvimento na morte de Bernardo, mas apresentou uma versão diferente da de Graciele. Disse que a amiga teria entregado a quantidade de medicamento ingerida por Bernardo nas mãos do menino. Na sequência, teria sido ameaçada por Graciele para que a ajudasse a enterrar o corpo, caso contrário sua família seria morta. Ela também inocentou o irmão e Leandro.
O réu Evandro foi o último a ser interrogado. Ele negou todas as acusações contra ele, disse que não participou do crime e que “não conhecia esse lado da irmã”. Alegou que mentiu, inicialmente, em depoimento à polícia sobre ter estado nas proximidades do local onde o corpo de Bernardo foi enterrado por medo de ser culpado pelo homicídio do menino, mas que estava em férias, pescando.
A reta final do julgamento começou na tarde de quinta-feira (14), quando o debate entre acusação e defesa teve início.
O Ministério Público teve quatro horas para defender sua tese buscando convencer os jurados. Durante a explanação dos promotores, foram exibidas fotos do cadáver da criança, em um dos momentos de maior comoção do julgamento popular. O pai de Bernardo, Leandro Boldrini, retirou-se do salão do júri.
Na sequência, foi a vez das defesas apresentarem os contrapontos. Cada uma teve uma hora. A primeira a se manifestar foi a de Leandro, seguida pelo advogado de Graciele, Edelvânia e Evandro. A sessão terminou após a meia-noite e durou cerca de quinze horas.
Na sexta-feira, último dia de julgamento, como parte do rito, houve mais duas horas para réplica do MP e outras duas para tréplica das defesas.
Ao longo da semana, os assuntos nas rodas de conversa pelas ruas da cidade de pouco mais de 20 mil habitantes era sempre o mesmo. Sobraram lugares no salão do júri em algumas sessões e o movimento em frente ao foro era predominantemente de policiais e jornalistas. Pessoas de outros estados também acompanharam o caso.
Em uma padaria do lado oposto da avenida Júlio de Castilhos, onde fica o foro, a TV exibia o julgamento do caso desde segunda-feira (11). A funcionária Veridiana Laís Kluge diz que a clientela aumentou muito no local nos últimos dias conta disso e que os clientes paravam ali para fazer um lanche e assistir.
Um outdoor na entrada do município segue projetando a foto do menino ampliada com os dizeres: “Eles te calaram… Agora nós somos a sua voz”. Em frente a casa onde Bernardo morava, cartazes em homenagem a ele seguem pendurados.
Morador de Três Passos, Bernardo Uglione Boldrini desapareceu no dia 4 de abril de 2014. Ele foi encontrado morto 10 dias depois, em uma cova vertical às margens de um riacho, em Frederico Westphalen. Laudos periciais atestaram a presença de Midazolam no estômago, rim e fígado do menino. A superdosagem do medicamento teria sido a causa da morte da criança.
No dia do desaparecimento de Bernardo, Graciele foi multada por excesso de velocidade na ERS-472, em um trecho entre os municípios de Tenente Portela e Palmitinho. A madrasta do menino trafegava a 117 km/h e seguia em direção a Frederico Westphalen. O Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) disse que ela estava acompanhada de Bernardo.
Segundo a denúncia do Ministério Público, Graciele conduziu o enteado até Frederico Westphalen. Ao iniciar a viagem, ainda em Três Passos, ministrou-lhe, via oral, a substância Midazolam, sob o argumento de que era preciso evitar enjoos. Em seguida, já na cidade vizinha, Graciele encontrou a amiga Edelvânia Wirganovicz.
Ainda conforme o MP, Graciele, com apoio moral e material de Edelvânia, aplicou em Bernardo mais uma injeção intravenosa da substância, em quantidade suficiente para lhe causar a morte.
A denúncia ainda aponta que Evandro Wirganovicz foi o responsável por fazer a cova vertical, além de limpar o entorno do local, dois dias antes da morte de Bernardo, para facilitar o crime.
Leandro chegou a informar a polícia sobre o desaparecimento do filho, mas a investigação da promotoria apontou que ele já teria conhecimento que o filho estava morto e que teria ajudado a arquitetar o crime, inclusive rubricando e carimbando a receita do medicamento encontrado no organismo do filho.
Conforme o MP, em um vídeo, gravado no celular de Leandro, Graciele ameaça Bernardo, dizendo: “Eu não tenho nada a perder, Bernardo. Tu não sabe do que eu sou capaz. Eu prefiro apodrecer na cadeia a viver nesta casa contigo incomodando”.
Bernardo morava com o pai, a madrasta e a filha do casal, à época com cerca de um ano, em uma casa em Três Passos.
A mãe do menino, Odilaine, foi encontrada morta dentro da clínica do então marido anos antes, em fevereiro de 2010. A polícia havia concluído que ela cometeu suicídio com um revólver. Mas a defesa da mãe dela, Jussara Uglione, contestou a versão. O inquérito foi reaberto. Concluído em março de 2016, a nova investigação não apontou indícios de homicídio. Para a polícia, Odilaine se matou.
Do G1