Apoiar Maduro ou dialogar com a oposição? Esse é o dilema de Vladimir Putin

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Em uma tarde chuvosa nesta semana, um grupo de autoridades e executivos do petróleo russos se reuniu para uma missa numa igreja católica escondida atrás da imponente sede do serviço secreto no centro de Moscou.

Eles não foram lá para rezar. Celebravam o falecido líder venezuelano Hugo Chávez, que gastou bilhões de dólares em armas e máquinas russas, e para demonstrar apoio a seu polêmico sucessor, Nicolás Maduro.

Maduro está lutando para salvar o sistema político que ele e Chávez construíram, com apoio russo, durante duas décadas. A administração econômica catastrófica de Maduro levou a oposição a reivindicar o comando do país, com o apoio dos Estados Unidos, da União Europeia e da maioria dos países sul-americanos.

Para a Rússia, foi a última tentativa do Ocidente de derrubar um governo adversário e conter o alcance global do presidente Vladimir Putin. O Kremlin reagiu fechando fileiras em torno de Maduro e oferecendo-lhe firme apoio diplomático, que foi demonstrado na Igreja de São Luiz da França na terça-feira (5).

O principal diplomata russo para a América Latina, Alexander Shchetinin, e Igor Sechin, o poderoso chefe da maior companhia estatal de petróleo da Rússia, Rosneft, estavam entre os que depositaram flores no memorial de Chávez. Mas por trás da demonstração oficial de união as elites econômicas e políticas da Rússia estão ficando cada vez mais divididas sobre a melhor forma de preservar seus interesses.

Enquanto Maduro e o líder da oposição, Juan Guaidó, travam uma guerra de atritos, o Kremlin enfrenta uma dura opção: dobrar a aposta em seu aliado ou se posicionar entre os que escolherão seu sucessor.

O caminho que Putin seguirá ajudará a determinar se a Venezuela vai mudar de governo pacificamente, escorregar para uma guerra civil ou se consolidar como um pária repressivo sob Maduro.

“A imagem e o peso globais da Rússia estão em jogo na Venezuela”, disse Vladimir Rouvinski, cientista político na Universidade Icesi em Cali, na Colômbia. “O choque e o temor iniciais na Rússia de que perderiam tudo na Venezuela estão sendo substituídos pela possibilidade de que possam participar de uma transição negociada e garantir que seus interesses sejam respeitados.”

Esses interesses vão de projetos de petróleo venezuelanos a contratos militares com empresas estatais russas ao valor geopolítico de ter um aliado anti-EUA no hemisfério ocidental.

Nos últimos anos, a Rosneft surgiu como a maior parceira do petróleo da Venezuela e credor confiável, assumindo posições em cinco projetos de petróleo cru e emprestando ao governo Maduro cerca de US$ 7 bilhões em troca de petróleo. A Venezuela ainda deve à Rosneft cerca de US$ 2,3 bilhões, segundo uma apresentação feita pela companhia em fevereiro.

A Venezuela também deve US$ 3,1 bilhões ao Ministério das Finanças russo por armas, caminhões e cereais comprados a crédito. Finalmente, a exportadora de armas estatal de Moscou tem contratos lucrativos para manter os tanques, jatos de combate e sistemas de defesa aérea da Venezuela, fabricados na Rússia.

“São valores significativos, mas não é algo que afundaria a economia russa”, disse Alexander Gabuev, acadêmico do Centro Carnegie Moscou. “Tem a ver com a habilidade de Putin projetar a Rússia como uma potência global.”

Laços estreitos com a Venezuela permitiram que Putin desafiasse os Estados Unidos em seu quintal dos fundos. Chávez e Maduro viajaram à Rússia, visitaram fábricas de metralhadoras e fazendas estatais. Chávez foi um dos poucos líderes que reconheceu as Repúblicas separatistas apoiadas pela Rússia da Ossétia do Sul e Abcázia, enquanto Maduro apoiou a campanha militar russa na Síria.

A Rússia reagiu com gestos simbólicos como enviar um coro de câmera para cantar na cidade natal de Chávez e inaugurar uma Rua Hugo Chávez em Moscou.

Esses laços econômicos e pessoais tornaram a Rússia possivelmente o único aliado além de Cuba que pode exercer influência sobre Maduro, segundo Rouvinski, o cientista político. Eles também aumentaram os custos da queda de Maduro para o Kremlin.

Para tentar afrouxar esses laços, a oposição da Venezuela disse repetidamente que os investimentos russos serão respeitados por um novo governo. O país vai precisar de capital para se recuperar de sua dura crise econômica, disseram eles, e as companhias russas serão bem-vindas na reconstrução.

Ao apoiar Maduro, a Rússia aumenta a dependência da oposição dos Estados Unidos, que poderiam pressionar um novo governo a cancelar os contratos da Rosneft e enviar as armas russas para o depósito, segundo o legislador de oposição Angel Alvarado.

“Quanto mais eles esperarem, mais se arriscam a perder tudo”, disse ele. “Seus investimentos estão seguros aqui, mas eles precisam vir à mesa de negociação antes que seja tarde demais.”

O governo americano disse repetidamente que todas as opções estão sobre a mesa para forçar a saída de Maduro, incluindo a intervenção militar, um espectro que dividiu os políticos russos.

De um lado estão tecnocratas pragmáticos e diplomatas de carreira que acreditam que o desempenho econômico desastroso de Maduro torna seu governo insustentável.

Diplomatas russos reabriram os canais com a oposição venezuelana depois de uma breve pausa após a autoproclamação de Guaidó, segundo líderes de oposição e pessoas próximas ao Ministério das Relações Exteriores russo.

Em comunicados públicos, autoridades diplomáticas russas passaram nas últimas semanas de apoiar inequivocamente Maduro e oferecer-se para mediar negociações com a oposição ou organizar discussões sobre a Venezuela com os Estados Unidos. A Venezuela praticamente desapareceu dos programas de entrevistas belicosos na televisão estatal russa.

Isto contrasta com a posição linha-dura assumida pela comunidade de defesa e segurança da Rússia, que inclui Sechin, da Rosneft, um ex-oficial da KGB. Eles veem a crise política na Venezuela como parte de uma campanha global de subversão americana contra a Rússia, e acreditam que apoiar Maduro é uma questão de princípio e autodefesa.

“O objetivo [dos EUA] é liquidar governos de países inconvenientes, minar sua soberania”, disse o principal estrategista militar da Rússia, general Valery Gerasimov, em uma conferência em Moscou na semana passada. “Tais atos são atualmente observados na Venezuela.”

A Rosneft surgiu como salva-vida econômico de Maduro desde que os Estados Unidos aplicaram sanções paralisantes à indústria de petróleo da Venezuela, no final de janeiro. A companhia russa disse que aumentará sua produção no país este ano e começou a comprar parte das exportações de petróleo venezuelano que costumavam ir para os Estados Unidos.

A entrega de gasolina e diluente de petróleo pela Rosneft à Venezuela ajudou a estatal Petróleos de Venezuela, conhecida como PDVSA, a evitar o colapso. Também foi um bom negócio para Sechin. Sem compradores alternativos, a PDVSA é obrigada a vender para a Rosneft com grande desconto, segundo uma autoridade da Rosneft e negociador de petróleo que conhece a questão e falou sob a condição do anonimato.

“Sechin se posicionou para Putin como curador da Venezuela, a pessoa que ajudará a hastear a bandeira russa lá”, disse Gabuev, do Centro Carnegie. “Ele apostou muito em Maduro.”

Além da compra oportunista de petróleo pela Rosneft, o apoio efetivo do Kremlin a Maduro é prejudicado pelas realidades econômicas russas.

A renda real na Rússia se estagnou desde que Putin anexou a Crimeia da Ucrânia em 2014, reduzindo o apoio interno a intervenções estrangeiras como a campanha de Putin para apoiar o sírio Bashar Assad.

“Quanto leite podemos dar a nossas crianças se não construirmos mais um míssil para a Síria?”, perguntou Maria Potapova, diretora da fábrica de laticínios Blagoveshchensk, no extremo leste da Rússia. “Eles têm todo o dinheiro para a Crimeia e a Síria. Por que não poupar um pouco para nós?”

A ameaça de sanções dos Estados Unidos assustou a maioria das empresas russas que ainda fazem negócios na Venezuela. A segunda maior produtora de petróleo russa, Lukoil, disse no mês passado que parou de negociar petróleo venezuelano; a estatal Gazprombank, que já foi um dos principais banqueiros da PDVSA, parou de abrir novas contas para clientes venezuelanos. Até mesmo pequenos importadores de orquídeas deixaram o país.

Uma fábrica de metralhadoras Kalashnikov de US$ 1,5 bilhão construída pela estatal RosTec em Maracay, que deveria simbolizar a cooperação militar entre Rússia e Venezuela, continua um casco vazio 12 anos após o início da construção.

As condições na Venezuela são terríveis, e o governo tem de mudar, disse uma pessoa envolvida no projeto RosTec, que falou sob a condição do anonimato.

O que a Rússia quer, acrescentou ele, é ter influência sobre quem virá a seguir.

THE NEW YORK TIMES
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Da FSP