Negros importam, sim! (por mais que se diga que no Brasil racismo não exista)
O bom da ciência é poder mostrar claramente que a frase “o racismo não existe no Brasil” é insustentável.
Na verdade, as evidências científicas corroboram muito bem o argumento de Djamila Ribeiro, de que no Brasil o racismo estrutura todas as relações sociais.
O racismo está sempre presente, e os casos que explodiram na mídia, como o do jovem morto por um mata-leão de um segurança do Extra, são representativos de uma sociedade doente que finge que não tem nada de errado com ela.
Marcus Lima fez, em 2004, um experimento científico controlado, no qual indivíduos brancos deveriam avaliar dois grupos, negros e brancos, por meio de fotografias, sendo que em cada grupo havia pessoas bem e malsucedidas financeiramente.
Os resultados, replicáveis, mostram uma realidade chocante. Os negros bem-sucedidos são percebidos como mais brancos. Para piorar, quanto mais eles são percebidos como brancos, mais características tipicamente humanas lhes são atribuídas. O inverso se passa para os negros mais percebidos como negros: desumanização.
Cornwell e coautores, em 2017, mostram que somente ser classificado como branco significa um salário 7% maior do que ser classificado como pardo ou negro.
Ademais, se dois empregadores discordam da cor do trabalhador, uma mudança de classificação de pardo ou negro para branco gera um aumento de salário de cerca de 4% quando uma pessoa muda de emprego.
Francis-Tan estudou irmãos de cores diferentes. Não há muita diferença educacional na adolescência. O que acontece quando os irmãos entram no mercado de trabalho e tentam continuar os estudos? O racismo vem com força. Os negros passam a conseguir menos empregos formais e, quando conseguem, têm empregos de menor qualificação, tendo dificuldades para continuar estudando.
Cansei de dar aula para alunos e executivos em cujas turmas não havia nenhum negro. Kabengele Munanga, antropólogo, está certíssimo quando afirma que o racismo é um crime perfeito no Brasil.
Muita gente não acha nem estranho quando somente 3% dos formados em medicina na USP são negros ou quando executivos de uma empresa são todos brancos.
As cotas são pouco. Esse crime perfeito e invisível precisa de mais ações do que somente garantir mais lugares em universidades (e concursos).
Como bom metaleiro, não entendo nada de samba. Mas entendo de história. A Mangueira ganhar o Carnaval com um enredo colocando negros, índios e mulheres como protagonistas da história é um soco no estômago do governo escatológico de extrema direita.
Vidas negras importam, por mais que alguns teimem em dizer que no Brasil racismo não exista.
Escrevi no ano passado que deveríamos abrir a fronteira para os venezuelanos. Uma pena que o governo esteja recheado de falsos liberais, que clamam por um Estado menor, mas que na hora de aplicar o que o liberalismo realmente prega, a liberdade de movimento, se calam.
A reforma da Previdência não vai sair ou, se sair, vai vir muito aguada. O comportamento do presidente acabou com qualquer chance de reforma de verdade. Dólar e juros começam a dar sinais da mudança de expectativa sobre o pacote da Previdência.
Isso é que dá termos Eric Cartman, do desenho “South Park”, como presidente da República.
Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
Da FSP